Considera-se que a homeopatia, foi introduzida no Brasil no
dia 21 de novembro de 1840 (atual Dia Nacional da Homeopatia) pelo médico
francês Jules Benoit Mure (1809 - 1858). Até hoje há idas e vindas quanto a sua aceitação ou incorporação à medicina cosmopolita ou hegemônica em nossa sociedade.
Numa pesquisa que investigou
características do movimento de aproximação e afastamento desta escola médica, entrevistou-se 48 homeopatas e médicos da biomedicina, quanto a opinião formada sobre tal prática. Entre os gestores proponentes
da sua institucionalização estavam os que defendem, para garantir a
eficácia de suas ações, uma anamnese extensa acompanhada de um exame detalhado
de cada paciente, diga-se que esta é uma prática médica que resgata a dimensão
humanista da medicina, embora não seja a única escola médica a fazer esta
proposição. Entre os que não advogam a homeopatia ou sentem-se inseguros à sua utilização, a consideram como uma "medicina suave", que lentamente
poderia promover a melhora dos sintomas e referem-se a poucas as publicações de
resultados de pesquisas com a utilização da homeopatia em situações agudas. [Salles,
Schraiber]
Retrocedendo cem anos e analisando a trajetória do cidadão baiano Alfredo Soares da Cunha (1913 – 1936), considerado grande divulgador da homeopatia no estado da Bahia, avô de neta médica, homeopata (herdeira de sua farmacotécnica [FOTOS] e farmácia inaugurada em 1930) Drª Maria Amélia Soares da Cunha, encontramos o nosso célebre personagem envolvido em uma disputa jurídico – política pelo seu direito de exercer uma prática também não integrada à pratica hegemônica, apesar de melhor aceita que hoje.
Alfredo Soares da Cunha era um cidadão baiano, comerciante bem sucedido. Cursou por correspondência a Universidade Escolar do Rio de Janeiro, e a partir de 1912 começou a aconselhar abertamente o uso da homeopatia. Por Soares da Cunha não ter sido formado nas faculdades de medicina federais, foi alvo de diversas perseguições ao longo dos anos que exerceu sua prática. Foi processado pela Diretoria de Saúde Pública do Estado da Bahia sob a alegação de que exercia ilegalmente a medicina, mas impetrou um habeas-corpus e obteve do Supremo Tribunal Federal um parecer favorável à sua pratica, alegando seu estudo da ciência Hahnemanniana e argumentando que a Homeopatia era o que ele exercia legalmente, baseando-se na Constituição Republicana, que garantia o seu livre exercício profissional. A autora da tese de sua trajetória, considera ainda, a influência de sua penetração na alta sociedade, medicando e curando políticos da esfera do governador J.J. Seabra (1855 -1942) e também que a controversa homeopatia, conseguia muitos adeptos de classes menos abastadas, por estes confiarem numa ciência que se aproximava mais deles, ao incorporar, por exemplo, “práticas da medicina afro-brasileiras e da fitoterapia indígena” [Araújo].
No Brasil o Espiritismo e a Homeopatia tiveram uma origem comum, ambos com lugar de destaque na corte e na medicina do período imperial. [Weber]. Consta que Dom Pedro I (1798 - 1834) correspondia-se com Hahnemann e que José Bonifácio (1763 - 1838) foi um dos primeiros experimentadores tanto da homeopatia como do espiritismo ou a pretensa "ciência espírita". Segundo publicado na revista de divulgação da doutrina espírita, Reformador de 1º de maio de 1883 o conhecido homeopata Melo Moraes (1816 - 1882) integrava um "group" espírita juntamente com o Marquês de Olinda (1793 -1870) e o Visconde de Uberaba (1792 -1856) entre outros vultos notáveis da época [Acquarone].
Observe-se que entre os mais notáveis detratores da homeopatia estão os que questionam as relações entre e o materialismo científico e espiritualidade. Nem sempre reconhecendo os limites de aplicação da ciência à possibilidade da experimentação, ou ignorando os aspectos simbólicos e mal compreendidos efeitos psicológicos e placebo, à luz da psicologia e/ou antropologia médica e da saúde.
Retrocedendo mais ainda nos deparamos com outro processo similar ao da
referida questão dos Soares da Cunha e família, foram os estudos e defesa do médico e
vereador do Rio de Janeiro (1861 - 1864
com reeleição até 1868) Adolfo
Bezerra de Menezes (1831-1900). Tal como publiquei no verbete “A loucura sob
novo prisma” [Wikipédia] entre os estudos e pesquisas sobre terapêutica e
medicina do Dr. Bezerra de Menezes, merece ser citado seu interesse pela "medicina medianímica" com experimentos pessoais (ou pesquisa de campo) com o "médium receitista" João Gonçalves do Nascimento (1844 - 1916) com parecer
favorável sobre sua eficácia.
Sem maiores detalhes do processo, sabemos que o Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890 (Código Penal da República. Artigo 157) instituiu que ...“é crime praticar o Espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias, para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade pública. Pena: prisão celular de 1 a 6 meses e multa de 100$000 a 500$000" ...
Naturalmente que as cirurgias espíritas e a indicação
de plantas medicinais ou mesmo medicamentos “alopáticos” continuam a ser praticadas no Brasil
no âmbito dos Centros Espíritas e outras entidades religiosas que integram ao
setor “informal” ou popular (não profissional) da medicina. Na classificação de
Kleinman que divide o sistema de
cuidados de saúde em três áreas ou arenas, a saber: (informal; folk (tradicional) e profissional
(leia-se hegemônico) tais práticas compõem o setor informal limitando-se com o tradicional.
No Brasil apenas em 1980 é que o
Conselho Federal de Medicina reconheceu a homeopatia como especialidade médica e como vimos ainda não é uma prática hegemônica e/ou integrada à medicina cosmopolita.
Observe-se ainda que, ainda hoje o Ministério do Trabalho reconhece a Ocupação
do Homeopata não-médico, com base na portaria 397 de 09/10/2002 – Cod. 3221-25
e conforme a legislação educacional (LDB) que rege o MEC e que a Procuradoria
da República em MG- (PAC1.22.000.00422212002-59) com decisão válida em todo o
Brasil: Determinou que a homeopatia não é uma prática exclusiva e restrita aos
médicos e que pode ser ensinada e capacitar pessoas para trabalhar como
Homeopatas Prescritores, independentemente da área de formação ou atuação,
conforme legislação vigente.
Prescrição homeopática & Saúde Mental
A relação entre homeopatia e
psicologia e/ou saúde mental é inquestionável, Samuel Hahnemann (1755-1843)
descreve na sua principal publicação, o Organon, no capítulo que trata da
auto-experimentação de medicamentos para descoberta dos "análogos
morbíficos adequados" à cura pela lei dos semelhantes, algumas plantas já bastante
conhecidas por seus princípios ativos com ação nos sistema nervoso. Algumas até hoje
utilizadas tanto na “Farmácia Química” como no tratamento homeopático dos
distúrbios mentais, como por exemplo: amanita (Amanita muscaria) , belladonna (Atropa
belladonna) , cannabis (Cannabis
sativa e Cannabis indica) ,
chamomilla (Matricária chamomilla),
hyosciamus (Hyoscyamus niger), opium
(Papaver somniferum), stramonium (Datura stramonium), entre outras.
Observe-se porém que os efeitos
sobre a psique emoções não se limitam as conhecidas substancias com ação,
digamos "drástica", sobre os sistema nervoso central nas formas já
enunciadas por Jean Delay (1907-1987) que as classifica as substancias
psicoativas como Dislépticas (modificadoras), Lépticos (estimulantes) e
Analépticos (depressores). Na perspectiva da homeopatia, administrando aos
doentes doses infinitesimais, as substâncias, muitas vezes reconhecidas como
tóxicas e letais, apresentam propriedades específicas (referentes à sua “patogenética”
intrínseca), que não são necessariamente as mesmas obtidas por maior
concentração de determinados componentes descritos como "elemento
ativo".
Segundo Chemas no início do
século passado, o médico alemão Samuel Hahnemann descobriu, quase que por
acaso, um fenômeno surpreendente, de cujas implicações para a nossa compreensão
da Natureza só agora a Ciência começou a se dar conta, em toda a sua extensão.
Hahnemann, descreve Chemas, ao ingerir uma droga utilizada para o tratamento da
malária, o quinino, gozando até então de perfeita saúde, passou a
apresentar febre e todos os sintomas da doença contra a qual a droga era
utilizada.
Entre os efeitos das centenas de
substancias testadas, por esse método então descrito e até hoje continuamente
avaliadas, em experimentos dessa natureza e prática clínica, incluem-se pesquisas de sinais e sintomas
característicos, comuns às psicopatologias, manifestações mentais e psíquicas
(emocionais, comportamentais descritas nas teorias das emoções e psicologia da
personalidade), além do que é também valorizado por algumas correntes da
homeopatia, a especificidade do adoecimento de cada indivíduo, tal como
expresso na máxima atribuída à Hipocrates “não há doenças e sim doentes”.
Para o citado neuropsiquiatra
Ricardo Chemas, através da Homeopatia dispomos atualmente de um sistema
totalmente confiável de testagem, para avaliar o efeito subjetivo das
substâncias materiais sobre o psiquismo humano A utilização da técnica
homeopática de auto experimentação constitui-se como um poderoso instrumento, capaz de
fornecer uma descrição complementar da matéria e de seus processos, inaugurando
assim, a incorporação do espaço subjetivo inerente aos observadores como parte
indissolúvel da experiência observada.
Segundo Teixeira, a homeopatia também é
um modelo terapêutico que se propõe a tratar o ser humano de forma integrada, diminuindo
os custos e os efeitos iatrogênicos da terapêutica farmacológica clássica,
através de um modelo de medicina humanizada, que valoriza a relação médico-paciente
e a complexidade humana enferma, em seus aspectos espirituais, psíquicos e
físicos.
Naturalmente que para exercer tal prática uma especialização
em homeopatia é essencial, embora como dito anteriormente, é uma prática
clínica que não requer uma formação médica nos moldes da medicina hegemônica, cosmopolita, e sim requer uma identidade e compreensão das pratica integrativas e complementares (PICs) que exploram os
aspectos dos símbolos, personalidade e relações éticas entre os seres humanos, o
que era antes compreendido como “energia
vital”.
Referências
ACQUARONE, Francisco. Bezerra de Menezes, o médico do
pobres. SP, Aliança, 2007
ARAÚJO, Fernanda Nascimento de. Nadando contra corrente: a
homeopatia e seus embates na Bahia através da trajetória de Alfredo Soares da
Cunha (1913-1936). Rio de Janeiro: Dissertação (Mestrado em História das
Ciências e da Saúde) - Fundação Oswaldo
Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2015. http://www.ppghcs.coc.fiocruz.br/images/dissertacoes/Dissertacao_Fernanda_Araujo.pdf
Artigo em: http://www.encontro2014.rj.anpuh.org/resources/anais/28/1400522781_ARQUIVO_TextoAnpuhRegional.pdf Acesso em 05 Maio de 2021
CHEMAS, Ricardo Chequer.
Reflexões sobre um grão de sal.
http://ricardochemas.com/artigo3.html acesso em
22 de setembro de 2014
HAHNEMANN, Samuel Organon of
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Google Books Acesso em 05 Maio de 2021
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KLEINMAN, Arthur Concepts and a Model for the comparison of
Medical Systems as Cultural Systems. IN: Currer,C e Stacey,M / Concepts of
Health, Illness and Disease. A Comparative Perspective, Leomaington 1986
LUZ, Madel, T.. A Arte de Curar versus A Ciência das
Doenças. SP, Dynamis Ed., 1996 ISBN 85-7001-497-X
TEIXEIRA, Marcus. Tratamento homeopático dos distúrbios
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treatment of emotional and behavioral disturbances of the childhood and the adolescence].
Pediatria (São Paulo). 29. 286-296. 2007 https://www.researchgate.net/publication/263595919_Tratamento_homeopatico_dos_disturbios_emocionais_e_comportamentais_da_infancia_e_da_adolescencia_Homeopathic_treatment_of_emotional_and_behavioral_disturbances_of_the_childhood_and_the_adolescence
acesso em 05 Maio de 2021
SALLES, Sandra Abrahão Chaim; SCHRAIBER, Lilia Blima.
Gestores do SUS: apoio e resistências à Homeopatia. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro , v. 25, n. 1, p. 195-202, Jan.
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<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2009000100021&lng=en&nrm=iso>.
access on 05 May
2021.
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WEBER, Beatriz Teixeira. Vínculos entre homeopatia e
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Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702019000401299&lng=pt&nrm=iso>.
Acessos em 07 mar. 2020. Epub 28-Nov-2019. https://doi.org/10.1590/s0104-59702019000400016
WIKIPÉDIA (PT) A Loucura sob Novo Prisma https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Loucura_sob_Novo_Prisma
acesso em 05 Maio de 2021
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VER TAMBÉM: Ervanários & Raizeiros
Muito interessante este artigo professor.
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