quarta-feira, 5 de maio de 2021

A PRÁTICA NÃO MÉDICA DA HOMEOPATIA

 

Considera-se que a homeopatia, foi introduzida no Brasil no dia 21 de novembro de 1840 (atual Dia Nacional da Homeopatia) pelo médico francês Jules Benoit Mure (1809 - 1858). Até hoje há idas e vindas quanto a sua aceitação ou incorporação à medicina cosmopolita ou hegemônica em nossa sociedade.

Numa pesquisa que investigou características do movimento de aproximação e afastamento desta escola médica, entrevistou-se 48 homeopatas e médicos da biomedicina, quanto a opinião formada sobre tal prática. Entre os gestores proponentes da sua institucionalização estavam os que defendem, para garantir a eficácia de suas ações, uma anamnese extensa acompanhada de um exame detalhado de cada paciente, diga-se que esta é uma prática médica que resgata a dimensão humanista da medicina, embora não seja a única escola médica a fazer esta proposição. Entre os que não advogam a homeopatia ou sentem-se inseguros à sua utilização, a consideram como uma "medicina suave", que lentamente poderia promover a melhora dos sintomas e referem-se a poucas as publicações de resultados de pesquisas com a utilização da homeopatia em situações agudas. [Salles, Schraiber]

Retrocedendo cem anos e analisando a trajetória do cidadão baiano Alfredo Soares da Cunha (1913 – 1936), considerado grande divulgador da homeopatia no estado da Bahia, avô de neta médica, homeopata (herdeira de sua farmacotécnica [FOTOS] e farmácia inaugurada em 1930) Drª Maria Amélia Soares da Cunha, encontramos o nosso célebre personagem envolvido em uma disputa jurídico – política pelo seu direito de exercer uma prática também não integrada à pratica hegemônica, apesar de melhor aceita que hoje. 

Alfredo Soares da Cunha era um cidadão baiano, comerciante bem sucedido. Cursou por correspondência a Universidade Escolar do Rio de Janeiro, e a partir de 1912 começou a aconselhar abertamente o uso da homeopatia. Por Soares da Cunha não ter sido formado nas faculdades de medicina federais, foi alvo de diversas perseguições ao longo dos anos que exerceu sua prática.  Foi processado pela Diretoria de Saúde Pública do Estado da Bahia sob a alegação de que exercia ilegalmente a medicina, mas impetrou um habeas-corpus e obteve do Supremo Tribunal Federal um parecer favorável à sua pratica, alegando seu estudo da ciência Hahnemanniana e argumentando que a Homeopatia era o que ele exercia legalmente, baseando-se na Constituição Republicana, que garantia o seu livre exercício profissional. A autora da tese de sua trajetória, considera ainda, a influência de sua penetração na alta sociedade, medicando e curando políticos da esfera do governador J.J. Seabra (1855 -1942) e também que a controversa homeopatia, conseguia muitos adeptos de classes menos abastadas, por estes confiarem numa ciência que se aproximava mais deles, ao incorporar, por exemplo, “práticas da medicina afro-brasileiras e da fitoterapia indígena” [Araújo]. 

No Brasil o Espiritismo e a Homeopatia tiveram uma origem comum, ambos com lugar de destaque na corte e na medicina do período imperial. [Weber]. Consta que Dom Pedro I (1798 - 1834) correspondia-se com Hahnemann e que José Bonifácio (1763 - 1838) foi um dos primeiros experimentadores tanto da homeopatia como do espiritismo ou a pretensa "ciência espírita". Segundo publicado na revista de divulgação da doutrina espírita, Reformador de 1º de maio de 1883 o conhecido homeopata Melo Moraes (1816 - 1882) integrava um "group" espírita juntamente com o Marquês de Olinda (1793 -1870) e o Visconde de Uberaba (1792 -1856) entre outros vultos notáveis da época [Acquarone].

Observe-se que entre os mais notáveis detratores da homeopatia estão os que questionam as relações entre e o materialismo científico e espiritualidade. Nem sempre reconhecendo os limites de aplicação da ciência à possibilidade da experimentação, ou ignorando os aspectos simbólicos e mal compreendidos efeitos psicológicos e placebo, à luz da psicologia e/ou antropologia médica e da saúde.

Retrocedendo mais ainda nos deparamos com outro processo similar ao da referida questão dos Soares da Cunha e família, foram os estudos e defesa do médico e vereador do Rio de Janeiro (1861 - 1864  com reeleição até  1868) Adolfo Bezerra de Menezes (1831-1900). Tal como publiquei no verbete “A loucura sob novo prisma” [Wikipédia] entre os estudos e pesquisas sobre terapêutica e medicina do Dr. Bezerra de Menezes, merece ser citado seu interesse pela "medicina medianímica" com experimentos pessoais (ou pesquisa de campo) com o "médium receitista" João Gonçalves do Nascimento (1844 - 1916) com parecer favorável sobre sua eficácia.

Sem maiores detalhes do processo, sabemos que o Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890 (Código Penal da República. Artigo 157) instituiu que ...“é crime praticar o Espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias, para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade pública. Pena: prisão celular de 1 a 6 meses e multa de 100$000 a 500$000" ...

Naturalmente que as cirurgias espíritas e a indicação de plantas medicinais ou mesmo medicamentos “alopáticos” continuam a ser praticadas no Brasil no âmbito dos Centros Espíritas e outras entidades religiosas que integram ao setor “informal” ou popular (não profissional) da medicina. Na classificação de Kleinman que divide o sistema de cuidados de saúde em três áreas ou arenas, a saber:  (informal; folk (tradicional) e profissional (leia-se hegemônico) tais práticas compõem o setor informal limitando-se com o tradicional.

No Brasil apenas em 1980 é que o Conselho Federal de Medicina reconheceu a homeopatia como especialidade médica e como vimos ainda não é uma prática hegemônica e/ou integrada à medicina cosmopolita. Observe-se ainda que, ainda hoje o Ministério do Trabalho reconhece a Ocupação do Homeopata não-médico, com base na portaria 397 de 09/10/2002 – Cod. 3221-25 e conforme a legislação educacional (LDB) que rege o MEC e que a Procuradoria da República em MG- (PAC1.22.000.00422212002-59) com decisão válida em todo o Brasil: Determinou que a homeopatia não é uma prática exclusiva e restrita aos médicos e que pode ser ensinada e capacitar pessoas para trabalhar como Homeopatas Prescritores, independentemente da área de formação ou atuação, conforme legislação vigente.

Prescrição homeopática & Saúde Mental

A relação entre homeopatia e psicologia e/ou saúde mental é inquestionável, Samuel Hahnemann (1755-1843) descreve na sua principal publicação, o Organon, no capítulo que trata da auto-experimentação de medicamentos para descoberta dos "análogos morbíficos adequados" à cura pela lei dos semelhantes, algumas plantas já bastante conhecidas por seus princípios ativos com ação nos sistema nervoso. Algumas até hoje utilizadas tanto na “Farmácia Química” como no tratamento homeopático dos distúrbios mentais, como por exemplo: amanita (Amanita muscaria) , belladonna (Atropa belladonna) , cannabis (Cannabis sativa e Cannabis indica) , chamomilla (Matricária chamomilla), hyosciamus (Hyoscyamus niger), opium (Papaver somniferum), stramonium (Datura stramonium), entre outras.

Observe-se porém que os efeitos sobre a psique emoções não se limitam as conhecidas substancias com ação, digamos "drástica", sobre os sistema nervoso central nas formas já enunciadas por Jean Delay (1907-1987) que as classifica as substancias psicoativas como Dislépticas (modificadoras), Lépticos (estimulantes) e Analépticos (depressores). Na perspectiva da homeopatia, administrando aos doentes doses infinitesimais, as substâncias, muitas vezes reconhecidas como tóxicas e letais, apresentam propriedades específicas (referentes à sua “patogenética” intrínseca), que não são necessariamente as mesmas obtidas por maior concentração de determinados componentes descritos como "elemento ativo".

Segundo Chemas no início do século passado, o médico alemão Samuel Hahnemann descobriu, quase que por acaso, um fenômeno surpreendente, de cujas implicações para a nossa compreensão da Natureza só agora a Ciência começou a se dar conta, em toda a sua extensão. Hahnemann, descreve Chemas, ao ingerir uma droga utilizada para o tratamento da malária, o quinino, gozando até então de perfeita saúde, passou a apresentar febre e todos os sintomas da doença contra a qual a droga era utilizada.

Entre os efeitos das centenas de substancias testadas, por esse método então descrito e até hoje continuamente avaliadas, em experimentos dessa natureza e prática clínica, incluem-se pesquisas de sinais e sintomas característicos, comuns às psicopatologias, manifestações mentais e psíquicas (emocionais, comportamentais descritas nas teorias das emoções e psicologia da personalidade), além do que é também valorizado por algumas correntes da homeopatia, a especificidade do adoecimento de cada indivíduo, tal como expresso na máxima atribuída à Hipocrates “não há doenças e sim doentes”.

Para o citado neuropsiquiatra Ricardo Chemas, através da Homeopatia dispomos atualmente de um sistema totalmente confiável de testagem, para avaliar o efeito subjetivo das substâncias materiais sobre o psiquismo humano A utilização da técnica homeopática de auto experimentação constitui-se como um poderoso instrumento, capaz de fornecer uma descrição complementar da matéria e de seus processos, inaugurando assim, a incorporação do espaço subjetivo inerente aos observadores como parte indissolúvel da experiência observada.

Segundo Teixeira, a homeopatia também é um modelo terapêutico que se propõe a tratar o ser humano de forma integrada, diminuindo os custos e os efeitos iatrogênicos da terapêutica farmacológica clássica, através de um modelo de medicina humanizada, que valoriza a relação médico-paciente e a complexidade humana enferma, em seus aspectos espirituais, psíquicos e físicos.

Naturalmente que para exercer tal prática uma especialização em homeopatia é essencial, embora como dito anteriormente, é uma prática clínica que não requer uma formação médica nos moldes da medicina hegemônica, cosmopolita, e sim requer uma identidade e compreensão das pratica integrativas e complementares (PICs) que exploram os aspectos dos símbolos, personalidade e relações éticas entre os seres humanos, o que era antes compreendido como “energia vital”. 

Referências

ACQUARONE, Francisco. Bezerra de Menezes, o médico do pobres. SP, Aliança, 2007

ARAÚJO, Fernanda Nascimento de. Nadando contra corrente: a homeopatia e seus embates na Bahia através da trajetória de Alfredo Soares da Cunha (1913-1936). Rio de Janeiro: Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) -  Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2015. http://www.ppghcs.coc.fiocruz.br/images/dissertacoes/Dissertacao_Fernanda_Araujo.pdf

Artigo  em: http://www.encontro2014.rj.anpuh.org/resources/anais/28/1400522781_ARQUIVO_TextoAnpuhRegional.pdf  Acesso em  05  Maio de  2021

CHEMAS, Ricardo Chequer. Reflexões sobre um grão de sal.
http://ricardochemas.com/artigo3.html acesso em 22 de setembro de 2014

HAHNEMANN, Samuel Organon of Homœopathic Medicine. New York, William Radde, 1849.
Google Books 
Acesso em  05  Maio de  2021

HOMEOPATIAS.COM. Curso de Ciência da Homeopatia https://homeopatias.com/base-legal-para-instituto-brasileiro-homeopatia/ acesso em  05  Maio de  2021 

KLEINMAN, Arthur Concepts and a Model for the comparison of Medical Systems as Cultural Systems. IN: Currer,C e Stacey,M / Concepts of Health, Illness and Disease. A Comparative Perspective, Leomaington 1986

LUZ, Madel, T.. A Arte de Curar versus A Ciência das Doenças. SP, Dynamis Ed., 1996 ISBN 85-7001-497-X

TEIXEIRA, Marcus. Tratamento homeopático dos distúrbios emocionais e comportamentais da infância e da adolescência [Homeopathic treatment of emotional and behavioral disturbances of the childhood and the adolescence]. Pediatria (São Paulo). 29. 286-296. 2007 https://www.researchgate.net/publication/263595919_Tratamento_homeopatico_dos_disturbios_emocionais_e_comportamentais_da_infancia_e_da_adolescencia_Homeopathic_treatment_of_emotional_and_behavioral_disturbances_of_the_childhood_and_the_adolescence acesso em 05 Maio de 2021

SALLES, Sandra Abrahão Chaim; SCHRAIBER, Lilia Blima. Gestores do SUS: apoio e resistências à Homeopatia. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro ,  v. 25, n. 1, p. 195-202,  Jan.  2009 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2009000100021&lng=en&nrm=iso>. access on  05  May  2021.  https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000100021.

WEBER, Beatriz Teixeira. Vínculos entre homeopatia e espiritismo no Rio Grande do Sul na passagem para o século XX. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 26, n. 4, p. 1299-1315, dez. 2019 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702019000401299&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 07 mar. 2020. Epub 28-Nov-2019. https://doi.org/10.1590/s0104-59702019000400016

WIKIPÉDIA (PT) A Loucura sob Novo Prisma https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Loucura_sob_Novo_Prisma acesso em 05  Maio de  2021

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VER TAMBÉM:  Ervanários & Raizeiros 



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