terça-feira, 11 de maio de 2021

Uso da Cannabis sativa e C. indica na Homeopatia

 




São bastantes conhecidas as descrições do uso médico da cannabis no oriente especialmente as referências a sua utilização na Índia, onde a planta também é conhecida pelos antigos hindus como ganjika em sânscrito (गांजा, ganja nas modernas línguas indo-arianas). [Encyclopædia Britannica, 1911 ] inclusive se denomina uma das variedades da espécie como Cannabis indica . Na China é conhecida por ( ou 大麻 - dà má) [Herb Dictionary] e descrita como uma erva de superior qualidade e importância em manuscritos chineses (a farmacopéia de Shen Nong) escrito por volta de 2737 aC. [Geller, Boas; Shen Nong]

É referida no “manual dos médicos de pés descalços” como laxante, ante-espasmodica (desconforto abdominal que melhora com a pressão). Descrita como uma "planta neutra e tônica" indicada para funções Yin (tranquilidade, astenia, inibição, "esfriamento", etc.) por sua ação, especialmente as sementes, sob forma de chá também é prescrita para pacientes idosos com irritabilidade insônia, boca seca e constipação. Segundo a concepção etnomédica chinesa é capaz de “apagar o fogo”, “umedecer os intestinos”, “tornando descendente o Chi túrbido”. [China Gov.; Botsaris ]

Sobre a distinção de duas espécies diferentes: Cannabis indica e Cannabis sativa proposta pelo célebre naturalista do século XVIII, Jean-Baptiste Lamarck ainda restam muitas dúvidas. Segundo Dr. Russo há uma maior concordância de que a Cannabis é uma espécie polimórfica com base na capacidade de todos os seus tipos se cruzarem e maior consenso ainda de que existem muitos quimiotipos de Cannabis considerando hoje: THC predominante; CBD predominante e tipos mistos. Destaca que esta última é uma boa classificação básica, mas também foi possível cruzar seletivamente para outros quimiotipos que expressam altos títulos de THCV, cannabidivarin, cannabichromene e até mesmo aqueles que produzem 100% de seus canabinóides como cannabigerol, ou outros sem canabinóides. O debate continua. Alguns defendem a Cannabis como uma única espécie, enquanto outros descrevem até quatro: Cannabis sativa, Cannabis indica, Cannabis ruderalis e Cannabis afghanica (ou kafiristanica). [Piomelli; Russo]

Dr. William Brooke O'Shaughnessy (1809 -1889)

Atribui-se a introdução da cannabis para a medicina ocidental ao Dr William Brooke O'Shaughnessy, um médico irlandês conhecido seu trabalho em farmacologia toxicologia forense e fluidos eletrólitos para terapia intravenosa. Publicou em 1839 "On the Preparations of the Indian Hemp, or Gunjah" no "Transactions of the Medical and Physical Society of Bengal" após leitura na Sociedade Médica e Física de Calcutá. Ele residiu na índia por 9 anos quanto contratado pela British East India Company (1833) exercendo também o papel de cirurgião, médico, professor de química na Faculdade de Medicina e Hospital de Calcutá.

O'Shaughnessy realizou os primeiros testes clínicos de preparações de canábis em animais, produziu extratos e tinturas com base em receitas nativas e experimentou seus efeitos clínicos em casos de reumatismo, hidrofobia, cólera e tétano e convulsões, relatou possíveis efeitos colaterais como formas típicas de delirium por uso continuado Em 1841 introduziu espécimes de Cannabis indica e Nux Pharmaceutical vomica nos Jardins Botânicos Reais de Kew, e guiou as reimpressões de seu artigo na Provincial Medical Journal. Chemists. Consta inclusive a sua recomendação de uso para cólicas menstruais à rainha Victoria através de Sir J. Russell Reynolds, MD, médico pessoal da corte e que foi eleito Fellow da Royal Society em 1843. [Herb Museum]

É importante para que se compreenda o potencial de utilização da homeopatia em psiquiatria - e que este uso não deve se limitar aos ditames da indústria farmacêutica) que também utilizam essas mesmas plantas considerado apenas um de seus princípios ativos. No tratamento homeopático, além dos distúrbios mentais como conhecemos hoje, diversas outras indicações clínicas foram pesquisadas por diversos observadores, tanto das fontes de “tintura mãe” como de suas diluições. Entre plantas psicoativas por exemplo temos: amanita (Amanita muscaria) , belladonna (Atropa belladonna) , chamomilla (Matricária chamomilla), hyosciamus (Hyoscyamus niger), helleborus (Helleborus nigernux vomica (Strychnos nux-vomica), opium (Papaver somniferum), stramonium (Datura stramonium), valeriana (Valeriana officinalis) entre outras e como dito na homeopatia seu uso não se limita às afecções do sistema nervoso.

Hanneman (1755-1843) destaca ...é somente mediante uma grande coleção de medicamentos conhecidos com precisão, em relação a esses seus modos puros de ação na alteração da saúde do homem, que podemos descobrir um remédio homeopático, um análogo morbífico adequado (curativo) para cada um dos estados mórbidos infinitamente numerosos existentes na natureza, para cada moléstia que aflige o mundo”... Regista também a continuidade de seu trabalho (até então de quarenta anos) com as contribuições dos “muitíssimos observadores precisos e dignos de confiança que vem prestando os seus serviços, assim enriquecendo esta, a única e verdadeira matéria médica, mediante cuidadosas experiências em si mesmos!... Fazendo a arte de curar aproximar-se das ciências matemáticas. [Hahneman – Organon (§ 145)]

É fundamental nos situarmos no contexto do modelo e concepção da homeopatia, observe-se que os Homeopatas que continuam exercendo sua clínica há mais de dois séculos e a utilização da cannabis (C indica e C sativa) nessa especialidade da medicina se deve ao próprio Samuel Hahnemann em 1796.  [Hahnemann; Morrell]

Segundo Teixeira no tratamento homeopático das doenças aplica um princípio de cura que estimula o organismo a reagir contra seus próprios distúrbios (princípio da similitude), administrando aos doentes doses infinitesimais de substâncias que apresentam a propriedade patogenética intrínseca de despertar, em pessoas sadias, sintomas semelhantes aos que se desejam curar.

Bontempo, (1980), destaca o uso da Cannabis sativa para o tratamento "doenças mentais" (psicose, histeria, delirium tremens, impossibilidade de prestar atenção (TDAH?), bruxismo e outros sintomas) onde destaca seu uso, por excelência, para insônia (em dose de 5 a 15 gotas da tintura-mãe); doenças (e sintomas) neurológicos (epilepsia, no pequeno mal, enxaqueca, vertigens) além da indicação para algumas formas de doenças cardíacas e distúrbios do aparelho reprodutivo e urinário incluindo infecções.

Referências

Encyclopædia Britannica - 11ª ed., ed. (1911). «Hemp». Consultado em 18 ago. 2013. Arquivado do original em 26 de agosto de 2013 https://web.archive.org/web/20130826023609/http://www.1911encyclopedia.org/Hemp

 Chinese Herb Dictionary - ma ren (huo ma ren) 麻仁,火麻仁 Complementary and Alternative Healing University Acesso Jan. 2015

 GELLER, Allen; BOAS, Maxell. As drogas matam bicho! (The drug beat). RJ, Edições MM, (1969) 1971

 SHEN NONG  The Divine Farmer's Materia Medica (A Translation of the Shen Nong Ben Cao Jing by Yang Shorr-zhong). Colorado: Blue Poppy Press, INC. 2008 [Herbs: Superior Class p.148] Google Books https://books.google.com.br/books?id=NjC-eTffFeQC&lpg=PP1&hl=pt-BR&pg=PP6#v=onepage&q=cannabis&f=false   Aces. Maio, 2021

 CHINA GOV. REVOLUTIONARY, HEALTH, COMMITTEE (Comitê Revolucionário da Provincia de Hunam - China) A Bare Foot Doctor’s Manual London GB, Routledge & Kegan Paul LTD 1978

 CHINA Gov. Manual chino de plantas medicinales, uso y dosificacion (sección del Manual del medico descalzo Hunan - China). México, Editorial Concepto, 1978

 BOTSARIS, ALEXANDROS S. Fitoterapia chinesa e plantas brasileiras. SP, Ícone, 1995

HAHNEMAN, Samuel (1755 - 1843) Organon (1810) Organon of Medicine. London: W. Headland, 1849. https://catalog.hathitrust.org/api/volumes/oclc/6793452.html Aces. maio, 2021

In: Google Books https://books.google.com.br/books?id=ayUSAAAAYAAJ&dq=Cannabis%20hahnemann%20organon&hl=pt-BR&pg=PA170#v=onepage&q=Cannabis%20hahnemann%20organon&f=false Aces. maio, 2021

 HERB MUSEUM. The Antique Cannabis Book. W. B. O'Shaughnessy, The man who brought medical cannabis to the West (Cap. 2) Medical cannabis a short graphical history http://antiquecannabisbook.com/chap2B/Shaughnessy/Shaughnessy.htm Acesso Maio 2021

MORRELL, Peter Hahnemann's First Provings. Stephen S. Sapp Lectures, Department of Sociology Iowa State University. http://www.homeoint.org/morrell/articles/firstprovings.htm  Acesso Maio 2021

PIOMELLI D; RUSSO EB. O debate Cannabis sativa Versus Cannabis indica : Uma entrevista com Ethan Russo, MD. Cannabis Cannabinoid Res. 01 de janeiro de 2016; 1 (1): 44-46. doi: 10.1089 / can.2015.29003.ebr. PMID: 28861479; PMCID: PMC5576603. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5576603/  Acesso Maio 2021

TEIXEIRA, Marcus Zulian. Tratamento homeopático dos distúrbios emocionais e comportamentais da infância e da adolescência. PEDIATRIA (SÃO PAULO) 2008;29(4):286-296 https://www.researchgate.net/publication/263595919_Tratamento_homeopatico_dos_disturbios_emocionais_e_comportamentais_da_infancia_e_da_adolescencia_Homeopathic_treatment_of_emotional_and_behavioral_disturbances_of_the_childhood_and_the_adolescence Acesso em maio 2021

VER TAMBÉM

Homeopathy Cannabis Ind.

Homeopathic Materia Medica by Nash CANNABIS SATIVA

Homeopathic Materia Medica by Nash CANNABIS INDICA

Homeopathy: CANNABIS SATIVA (From vol. i, 3rd edit., 1830.)

Acesso em 10 de maio de 2021

Anexo

Bontempo, Márcio. Estudos atuais sobre efeitos da Cannabis sativa (maconha).
SP, Ground, 1980, p. 11-14

 Lê-se no citado livro:

Baseado na máxima de Hipócrates Similia similibus curentur, ou seja, semelhante cura semelhante, a Homeopatia é um sistema médico que interpreta as doenças como sendo um mero distúrbio do veículo vital e as trata por meio de medicamentos capazes de produzirem um quadro semelhante de sinais e sintomas, (similia), característicos da doença em questão. A cura viria então devido à energia curativa liberada desse medicamento através de técnica especial farmacêutica denominada de dinamização, energia esta que provocaria no organismo uma reação natural de cura por meio de atividade hiperfísica.

Como exemplo, podemos citar o café, capaz de produzir hiperexcitação e insônia e, uma vez dinamizado, passaria a curar esses distúrbios. A ipecacuonha, capaz de produzir vômitos, é capaz de curá-los, quando manipulada homeopaticamente. E assim os exemplos se seguem.

Esse princípio do semelhante cura semelhante é conhecido milenarmente e era fato corriqueiro. Haja vista o hábito de dar os mesmos venenos, que os inimigos usavam em suas flechas, aos soldados, em pequenas doses na sua alimentação antes das batalhas.

O uso da cannabis na Homeopatia segue os mesmos princípios e ela é indicada, (depois de preparada, ou dinamizada), segundo o quadro clínico que determina, pois, em Homeopatia, a escolha do medicamento se faz segundo a identificação entre esse quadro medicamentoso e o quadro clínico do indivíduo, em que se buscam os elementos comuns, os mesmos que irão definir a escolha correta do agente terapêutico. Assim, temos como características da cannabis, que nos conduzem no sentido do seu uso homeopático, os efeitos típicos da Cannabis índica e da Cannabis sativa:

Os sintomas mais marcantes são mentais: grande exagero, excessos, julgamento precipitado, sensibilidade exagerada, "os minutos parecem anos", "alguns passos parecem milhas", as idéias amontoam-se e confundem-se no cérebro, as coisas parecem enormes, impossibilidade de concentrar a atenção, dispersão, idéias fixas, psicoses, medo de enlouquecer, extrema loquacidade, risos e gritos imoderados como reação a um estímulo verbal qualquer, ilusões espectrais, esquecimento das próprias palavras e idéias, sensação de levitação.

Segundo o Dr. W. Dewey: "Nas formas obstinadas e intratáveis de insônia, Cannabis é um dos melhores remédios, em dose de 5 a 15 gotas da tintura-mãe"

Usos mais-comuns na Homeopatia, em suas diversas dinamizações:

- Delirium tremens - Histeria - Epilepsia, no pequeno mal - Impossibilidade de prestar atenção - Idéias fixas - Psicoses - Dor de cabeça - Enxaqueca com flatulência - Insônia, estando morto de sono - Sensação de água gelada gotejando entre as espáduas - Ranger de dentes durante o sono - Lumbago constante sem agravação ou melhora - Sonolência invencível durante o dia ou após as refeições - Vertigens

- Doenças cardíacas - Blenorragia aguda - Dores queimantes da bexiga, antes e depois da evacuação - Dores queimantes da uretra e bexiga antes e depois de urinar - Uretra sensível ao toque ou palpação - Inteligência fraca - Gagueira - Espermatorréia - Dores nos rins que se irradiam para a região inguinal - Asma com muita falta de ar - Moléstias da planta dos pés e dos dedos dos pés em geral - Catarata - Opacidade da córnea - Dor lombar após o coito - Sonambulismo com alucinações e sonhos eróticos - Movimentos involuntários da cabeça - Vício de morfina - Medo de enlouquecer - Inteligência fraca -Incoerência de pensamentos com muito exagero e esquecimento - Sensação de formigamento nos órgãos genitais - Ereções excessivas (não é o mesmo que priapismo) - Albuminúria supurativa aguda

Bontempo, Márcio. Estudos atuais sobre efeitos da Cannabis sativa (maconha). SP, Ground, 1980, p. 11-14

Texto originalmente excluído do verbete da Wikipédia “Cannabis (psicotrópico como sem fontes e pseudociência (ou seja Hahneman e Bontempo não foram considerados fontes)  
https://pt.wikipedia.org/wiki/Discuss%C3%A3o:Cannabis_(psicotr%C3%B3pico)/Arquivo/2

Acesso em 10 de maio de 2021

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Saqib Bashir: Homeopathic dilutions

The flora homoeopathica (1852-1853). Digitized by the Missouri Botanical Garden for Biodiversity Heritage Library. https://www.biodiversitylibrary.org/page/6163665

Acesso em 10 de maio de 2021


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