terça-feira, 11 de maio de 2021

Uso da Cannabis sativa e C. indica na Homeopatia

 




São bastantes conhecidas as descrições do uso médico da cannabis no oriente especialmente as referências a sua utilização na Índia, onde a planta também é conhecida pelos antigos hindus como ganjika em sânscrito (गांजा, ganja nas modernas línguas indo-arianas). [Encyclopædia Britannica, 1911 ] inclusive se denomina uma das variedades da espécie como Cannabis indica . Na China é conhecida por ( ou 大麻 - dà má) [Herb Dictionary] e descrita como uma erva de superior qualidade e importância em manuscritos chineses (a farmacopéia de Shen Nong) escrito por volta de 2737 aC. [Geller, Boas; Shen Nong]

É referida no “manual dos médicos de pés descalços” como laxante, ante-espasmodica (desconforto abdominal que melhora com a pressão). Descrita como uma "planta neutra e tônica" indicada para funções Yin (tranquilidade, astenia, inibição, "esfriamento", etc.) por sua ação, especialmente as sementes, sob forma de chá também é prescrita para pacientes idosos com irritabilidade insônia, boca seca e constipação. Segundo a concepção etnomédica chinesa é capaz de “apagar o fogo”, “umedecer os intestinos”, “tornando descendente o Chi túrbido”. [China Gov.; Botsaris ]

Sobre a distinção de duas espécies diferentes: Cannabis indica e Cannabis sativa proposta pelo célebre naturalista do século XVIII, Jean-Baptiste Lamarck ainda restam muitas dúvidas. Segundo Dr. Russo há uma maior concordância de que a Cannabis é uma espécie polimórfica com base na capacidade de todos os seus tipos se cruzarem e maior consenso ainda de que existem muitos quimiotipos de Cannabis considerando hoje: THC predominante; CBD predominante e tipos mistos. Destaca que esta última é uma boa classificação básica, mas também foi possível cruzar seletivamente para outros quimiotipos que expressam altos títulos de THCV, cannabidivarin, cannabichromene e até mesmo aqueles que produzem 100% de seus canabinóides como cannabigerol, ou outros sem canabinóides. O debate continua. Alguns defendem a Cannabis como uma única espécie, enquanto outros descrevem até quatro: Cannabis sativa, Cannabis indica, Cannabis ruderalis e Cannabis afghanica (ou kafiristanica). [Piomelli; Russo]

Dr. William Brooke O'Shaughnessy (1809 -1889)

Atribui-se a introdução da cannabis para a medicina ocidental ao Dr William Brooke O'Shaughnessy, um médico irlandês conhecido seu trabalho em farmacologia toxicologia forense e fluidos eletrólitos para terapia intravenosa. Publicou em 1839 "On the Preparations of the Indian Hemp, or Gunjah" no "Transactions of the Medical and Physical Society of Bengal" após leitura na Sociedade Médica e Física de Calcutá. Ele residiu na índia por 9 anos quanto contratado pela British East India Company (1833) exercendo também o papel de cirurgião, médico, professor de química na Faculdade de Medicina e Hospital de Calcutá.

O'Shaughnessy realizou os primeiros testes clínicos de preparações de canábis em animais, produziu extratos e tinturas com base em receitas nativas e experimentou seus efeitos clínicos em casos de reumatismo, hidrofobia, cólera e tétano e convulsões, relatou possíveis efeitos colaterais como formas típicas de delirium por uso continuado Em 1841 introduziu espécimes de Cannabis indica e Nux Pharmaceutical vomica nos Jardins Botânicos Reais de Kew, e guiou as reimpressões de seu artigo na Provincial Medical Journal. Chemists. Consta inclusive a sua recomendação de uso para cólicas menstruais à rainha Victoria através de Sir J. Russell Reynolds, MD, médico pessoal da corte e que foi eleito Fellow da Royal Society em 1843. [Herb Museum]

É importante para que se compreenda o potencial de utilização da homeopatia em psiquiatria - e que este uso não deve se limitar aos ditames da indústria farmacêutica) que também utilizam essas mesmas plantas considerado apenas um de seus princípios ativos. No tratamento homeopático, além dos distúrbios mentais como conhecemos hoje, diversas outras indicações clínicas foram pesquisadas por diversos observadores, tanto das fontes de “tintura mãe” como de suas diluições. Entre plantas psicoativas por exemplo temos: amanita (Amanita muscaria) , belladonna (Atropa belladonna) , chamomilla (Matricária chamomilla), hyosciamus (Hyoscyamus niger), helleborus (Helleborus nigernux vomica (Strychnos nux-vomica), opium (Papaver somniferum), stramonium (Datura stramonium), valeriana (Valeriana officinalis) entre outras e como dito na homeopatia seu uso não se limita às afecções do sistema nervoso.

Hanneman (1755-1843) destaca ...é somente mediante uma grande coleção de medicamentos conhecidos com precisão, em relação a esses seus modos puros de ação na alteração da saúde do homem, que podemos descobrir um remédio homeopático, um análogo morbífico adequado (curativo) para cada um dos estados mórbidos infinitamente numerosos existentes na natureza, para cada moléstia que aflige o mundo”... Regista também a continuidade de seu trabalho (até então de quarenta anos) com as contribuições dos “muitíssimos observadores precisos e dignos de confiança que vem prestando os seus serviços, assim enriquecendo esta, a única e verdadeira matéria médica, mediante cuidadosas experiências em si mesmos!... Fazendo a arte de curar aproximar-se das ciências matemáticas. [Hahneman – Organon (§ 145)]

É fundamental nos situarmos no contexto do modelo e concepção da homeopatia, observe-se que os Homeopatas que continuam exercendo sua clínica há mais de dois séculos e a utilização da cannabis (C indica e C sativa) nessa especialidade da medicina se deve ao próprio Samuel Hahnemann em 1796.  [Hahnemann; Morrell]

Segundo Teixeira no tratamento homeopático das doenças aplica um princípio de cura que estimula o organismo a reagir contra seus próprios distúrbios (princípio da similitude), administrando aos doentes doses infinitesimais de substâncias que apresentam a propriedade patogenética intrínseca de despertar, em pessoas sadias, sintomas semelhantes aos que se desejam curar.

Bontempo, (1980), destaca o uso da Cannabis sativa para o tratamento "doenças mentais" (psicose, histeria, delirium tremens, impossibilidade de prestar atenção (TDAH?), bruxismo e outros sintomas) onde destaca seu uso, por excelência, para insônia (em dose de 5 a 15 gotas da tintura-mãe); doenças (e sintomas) neurológicos (epilepsia, no pequeno mal, enxaqueca, vertigens) além da indicação para algumas formas de doenças cardíacas e distúrbios do aparelho reprodutivo e urinário incluindo infecções.

Referências

Encyclopædia Britannica - 11ª ed., ed. (1911). «Hemp». Consultado em 18 ago. 2013. Arquivado do original em 26 de agosto de 2013 https://web.archive.org/web/20130826023609/http://www.1911encyclopedia.org/Hemp

 Chinese Herb Dictionary - ma ren (huo ma ren) 麻仁,火麻仁 Complementary and Alternative Healing University Acesso Jan. 2015

 GELLER, Allen; BOAS, Maxell. As drogas matam bicho! (The drug beat). RJ, Edições MM, (1969) 1971

 SHEN NONG  The Divine Farmer's Materia Medica (A Translation of the Shen Nong Ben Cao Jing by Yang Shorr-zhong). Colorado: Blue Poppy Press, INC. 2008 [Herbs: Superior Class p.148] Google Books https://books.google.com.br/books?id=NjC-eTffFeQC&lpg=PP1&hl=pt-BR&pg=PP6#v=onepage&q=cannabis&f=false   Aces. Maio, 2021

 CHINA GOV. REVOLUTIONARY, HEALTH, COMMITTEE (Comitê Revolucionário da Provincia de Hunam - China) A Bare Foot Doctor’s Manual London GB, Routledge & Kegan Paul LTD 1978

 CHINA Gov. Manual chino de plantas medicinales, uso y dosificacion (sección del Manual del medico descalzo Hunan - China). México, Editorial Concepto, 1978

 BOTSARIS, ALEXANDROS S. Fitoterapia chinesa e plantas brasileiras. SP, Ícone, 1995

HAHNEMAN, Samuel (1755 - 1843) Organon (1810) Organon of Medicine. London: W. Headland, 1849. https://catalog.hathitrust.org/api/volumes/oclc/6793452.html Aces. maio, 2021

In: Google Books https://books.google.com.br/books?id=ayUSAAAAYAAJ&dq=Cannabis%20hahnemann%20organon&hl=pt-BR&pg=PA170#v=onepage&q=Cannabis%20hahnemann%20organon&f=false Aces. maio, 2021

 HERB MUSEUM. The Antique Cannabis Book. W. B. O'Shaughnessy, The man who brought medical cannabis to the West (Cap. 2) Medical cannabis a short graphical history http://antiquecannabisbook.com/chap2B/Shaughnessy/Shaughnessy.htm Acesso Maio 2021

MORRELL, Peter Hahnemann's First Provings. Stephen S. Sapp Lectures, Department of Sociology Iowa State University. http://www.homeoint.org/morrell/articles/firstprovings.htm  Acesso Maio 2021

PIOMELLI D; RUSSO EB. O debate Cannabis sativa Versus Cannabis indica : Uma entrevista com Ethan Russo, MD. Cannabis Cannabinoid Res. 01 de janeiro de 2016; 1 (1): 44-46. doi: 10.1089 / can.2015.29003.ebr. PMID: 28861479; PMCID: PMC5576603. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5576603/  Acesso Maio 2021

TEIXEIRA, Marcus Zulian. Tratamento homeopático dos distúrbios emocionais e comportamentais da infância e da adolescência. PEDIATRIA (SÃO PAULO) 2008;29(4):286-296 https://www.researchgate.net/publication/263595919_Tratamento_homeopatico_dos_disturbios_emocionais_e_comportamentais_da_infancia_e_da_adolescencia_Homeopathic_treatment_of_emotional_and_behavioral_disturbances_of_the_childhood_and_the_adolescence Acesso em maio 2021

VER TAMBÉM

Homeopathy Cannabis Ind.

Homeopathic Materia Medica by Nash CANNABIS SATIVA

Homeopathic Materia Medica by Nash CANNABIS INDICA

Homeopathy: CANNABIS SATIVA (From vol. i, 3rd edit., 1830.)

Acesso em 10 de maio de 2021

Anexo

Bontempo, Márcio. Estudos atuais sobre efeitos da Cannabis sativa (maconha).
SP, Ground, 1980, p. 11-14

 Lê-se no citado livro:

Baseado na máxima de Hipócrates Similia similibus curentur, ou seja, semelhante cura semelhante, a Homeopatia é um sistema médico que interpreta as doenças como sendo um mero distúrbio do veículo vital e as trata por meio de medicamentos capazes de produzirem um quadro semelhante de sinais e sintomas, (similia), característicos da doença em questão. A cura viria então devido à energia curativa liberada desse medicamento através de técnica especial farmacêutica denominada de dinamização, energia esta que provocaria no organismo uma reação natural de cura por meio de atividade hiperfísica.

Como exemplo, podemos citar o café, capaz de produzir hiperexcitação e insônia e, uma vez dinamizado, passaria a curar esses distúrbios. A ipecacuonha, capaz de produzir vômitos, é capaz de curá-los, quando manipulada homeopaticamente. E assim os exemplos se seguem.

Esse princípio do semelhante cura semelhante é conhecido milenarmente e era fato corriqueiro. Haja vista o hábito de dar os mesmos venenos, que os inimigos usavam em suas flechas, aos soldados, em pequenas doses na sua alimentação antes das batalhas.

O uso da cannabis na Homeopatia segue os mesmos princípios e ela é indicada, (depois de preparada, ou dinamizada), segundo o quadro clínico que determina, pois, em Homeopatia, a escolha do medicamento se faz segundo a identificação entre esse quadro medicamentoso e o quadro clínico do indivíduo, em que se buscam os elementos comuns, os mesmos que irão definir a escolha correta do agente terapêutico. Assim, temos como características da cannabis, que nos conduzem no sentido do seu uso homeopático, os efeitos típicos da Cannabis índica e da Cannabis sativa:

Os sintomas mais marcantes são mentais: grande exagero, excessos, julgamento precipitado, sensibilidade exagerada, "os minutos parecem anos", "alguns passos parecem milhas", as idéias amontoam-se e confundem-se no cérebro, as coisas parecem enormes, impossibilidade de concentrar a atenção, dispersão, idéias fixas, psicoses, medo de enlouquecer, extrema loquacidade, risos e gritos imoderados como reação a um estímulo verbal qualquer, ilusões espectrais, esquecimento das próprias palavras e idéias, sensação de levitação.

Segundo o Dr. W. Dewey: "Nas formas obstinadas e intratáveis de insônia, Cannabis é um dos melhores remédios, em dose de 5 a 15 gotas da tintura-mãe"

Usos mais-comuns na Homeopatia, em suas diversas dinamizações:

- Delirium tremens - Histeria - Epilepsia, no pequeno mal - Impossibilidade de prestar atenção - Idéias fixas - Psicoses - Dor de cabeça - Enxaqueca com flatulência - Insônia, estando morto de sono - Sensação de água gelada gotejando entre as espáduas - Ranger de dentes durante o sono - Lumbago constante sem agravação ou melhora - Sonolência invencível durante o dia ou após as refeições - Vertigens

- Doenças cardíacas - Blenorragia aguda - Dores queimantes da bexiga, antes e depois da evacuação - Dores queimantes da uretra e bexiga antes e depois de urinar - Uretra sensível ao toque ou palpação - Inteligência fraca - Gagueira - Espermatorréia - Dores nos rins que se irradiam para a região inguinal - Asma com muita falta de ar - Moléstias da planta dos pés e dos dedos dos pés em geral - Catarata - Opacidade da córnea - Dor lombar após o coito - Sonambulismo com alucinações e sonhos eróticos - Movimentos involuntários da cabeça - Vício de morfina - Medo de enlouquecer - Inteligência fraca -Incoerência de pensamentos com muito exagero e esquecimento - Sensação de formigamento nos órgãos genitais - Ereções excessivas (não é o mesmo que priapismo) - Albuminúria supurativa aguda

Bontempo, Márcio. Estudos atuais sobre efeitos da Cannabis sativa (maconha). SP, Ground, 1980, p. 11-14

Texto originalmente excluído do verbete da Wikipédia “Cannabis (psicotrópico como sem fontes e pseudociência (ou seja Hahneman e Bontempo não foram considerados fontes)  
https://pt.wikipedia.org/wiki/Discuss%C3%A3o:Cannabis_(psicotr%C3%B3pico)/Arquivo/2

Acesso em 10 de maio de 2021

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Ilustração

Willmar Schwabe India Cannabis Indica 1X (Q) (30ml)
For Delusions, Convulsions, Headache, Stammering, Urinary disorders

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Lords Cannabis Indica 200 CH (30ml)
For Delusions, Convulsions, Headache, Stammering, Urinary disorders

Cannabis Sativa Homeopathy 2 Dram Pills 6C, 30C, 200C, 1M, 10M

Saqib Bashir: Homeopathic dilutions

The flora homoeopathica (1852-1853). Digitized by the Missouri Botanical Garden for Biodiversity Heritage Library. https://www.biodiversitylibrary.org/page/6163665

Acesso em 10 de maio de 2021


quarta-feira, 5 de maio de 2021

A PRÁTICA NÃO MÉDICA DA HOMEOPATIA

 

Considera-se que a homeopatia, foi introduzida no Brasil no dia 21 de novembro de 1840 (atual Dia Nacional da Homeopatia) pelo médico francês Jules Benoit Mure (1809 - 1858). Até hoje há idas e vindas quanto a sua aceitação ou incorporação à medicina cosmopolita ou hegemônica em nossa sociedade.

Numa pesquisa que investigou características do movimento de aproximação e afastamento desta escola médica, entrevistou-se 48 homeopatas e médicos da biomedicina, quanto a opinião formada sobre tal prática. Entre os gestores proponentes da sua institucionalização estavam os que defendem, para garantir a eficácia de suas ações, uma anamnese extensa acompanhada de um exame detalhado de cada paciente, diga-se que esta é uma prática médica que resgata a dimensão humanista da medicina, embora não seja a única escola médica a fazer esta proposição. Entre os que não advogam a homeopatia ou sentem-se inseguros à sua utilização, a consideram como uma "medicina suave", que lentamente poderia promover a melhora dos sintomas e referem-se a poucas as publicações de resultados de pesquisas com a utilização da homeopatia em situações agudas. [Salles, Schraiber]

Retrocedendo cem anos e analisando a trajetória do cidadão baiano Alfredo Soares da Cunha (1913 – 1936), considerado grande divulgador da homeopatia no estado da Bahia, avô de neta médica, homeopata (herdeira de sua farmacotécnica [FOTOS] e farmácia inaugurada em 1930) Drª Maria Amélia Soares da Cunha, encontramos o nosso célebre personagem envolvido em uma disputa jurídico – política pelo seu direito de exercer uma prática também não integrada à pratica hegemônica, apesar de melhor aceita que hoje. 

Alfredo Soares da Cunha era um cidadão baiano, comerciante bem sucedido. Cursou por correspondência a Universidade Escolar do Rio de Janeiro, e a partir de 1912 começou a aconselhar abertamente o uso da homeopatia. Por Soares da Cunha não ter sido formado nas faculdades de medicina federais, foi alvo de diversas perseguições ao longo dos anos que exerceu sua prática.  Foi processado pela Diretoria de Saúde Pública do Estado da Bahia sob a alegação de que exercia ilegalmente a medicina, mas impetrou um habeas-corpus e obteve do Supremo Tribunal Federal um parecer favorável à sua pratica, alegando seu estudo da ciência Hahnemanniana e argumentando que a Homeopatia era o que ele exercia legalmente, baseando-se na Constituição Republicana, que garantia o seu livre exercício profissional. A autora da tese de sua trajetória, considera ainda, a influência de sua penetração na alta sociedade, medicando e curando políticos da esfera do governador J.J. Seabra (1855 -1942) e também que a controversa homeopatia, conseguia muitos adeptos de classes menos abastadas, por estes confiarem numa ciência que se aproximava mais deles, ao incorporar, por exemplo, “práticas da medicina afro-brasileiras e da fitoterapia indígena” [Araújo]. 

No Brasil o Espiritismo e a Homeopatia tiveram uma origem comum, ambos com lugar de destaque na corte e na medicina do período imperial. [Weber]. Consta que Dom Pedro I (1798 - 1834) correspondia-se com Hahnemann e que José Bonifácio (1763 - 1838) foi um dos primeiros experimentadores tanto da homeopatia como do espiritismo ou a pretensa "ciência espírita". Segundo publicado na revista de divulgação da doutrina espírita, Reformador de 1º de maio de 1883 o conhecido homeopata Melo Moraes (1816 - 1882) integrava um "group" espírita juntamente com o Marquês de Olinda (1793 -1870) e o Visconde de Uberaba (1792 -1856) entre outros vultos notáveis da época [Acquarone].

Observe-se que entre os mais notáveis detratores da homeopatia estão os que questionam as relações entre e o materialismo científico e espiritualidade. Nem sempre reconhecendo os limites de aplicação da ciência à possibilidade da experimentação, ou ignorando os aspectos simbólicos e mal compreendidos efeitos psicológicos e placebo, à luz da psicologia e/ou antropologia médica e da saúde.

Retrocedendo mais ainda nos deparamos com outro processo similar ao da referida questão dos Soares da Cunha e família, foram os estudos e defesa do médico e vereador do Rio de Janeiro (1861 - 1864  com reeleição até  1868) Adolfo Bezerra de Menezes (1831-1900). Tal como publiquei no verbete “A loucura sob novo prisma” [Wikipédia] entre os estudos e pesquisas sobre terapêutica e medicina do Dr. Bezerra de Menezes, merece ser citado seu interesse pela "medicina medianímica" com experimentos pessoais (ou pesquisa de campo) com o "médium receitista" João Gonçalves do Nascimento (1844 - 1916) com parecer favorável sobre sua eficácia.

Sem maiores detalhes do processo, sabemos que o Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890 (Código Penal da República. Artigo 157) instituiu que ...“é crime praticar o Espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias, para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade pública. Pena: prisão celular de 1 a 6 meses e multa de 100$000 a 500$000" ...

Naturalmente que as cirurgias espíritas e a indicação de plantas medicinais ou mesmo medicamentos “alopáticos” continuam a ser praticadas no Brasil no âmbito dos Centros Espíritas e outras entidades religiosas que integram ao setor “informal” ou popular (não profissional) da medicina. Na classificação de Kleinman que divide o sistema de cuidados de saúde em três áreas ou arenas, a saber:  (informal; folk (tradicional) e profissional (leia-se hegemônico) tais práticas compõem o setor informal limitando-se com o tradicional.

No Brasil apenas em 1980 é que o Conselho Federal de Medicina reconheceu a homeopatia como especialidade médica e como vimos ainda não é uma prática hegemônica e/ou integrada à medicina cosmopolita. Observe-se ainda que, ainda hoje o Ministério do Trabalho reconhece a Ocupação do Homeopata não-médico, com base na portaria 397 de 09/10/2002 – Cod. 3221-25 e conforme a legislação educacional (LDB) que rege o MEC e que a Procuradoria da República em MG- (PAC1.22.000.00422212002-59) com decisão válida em todo o Brasil: Determinou que a homeopatia não é uma prática exclusiva e restrita aos médicos e que pode ser ensinada e capacitar pessoas para trabalhar como Homeopatas Prescritores, independentemente da área de formação ou atuação, conforme legislação vigente.

Prescrição homeopática & Saúde Mental

A relação entre homeopatia e psicologia e/ou saúde mental é inquestionável, Samuel Hahnemann (1755-1843) descreve na sua principal publicação, o Organon, no capítulo que trata da auto-experimentação de medicamentos para descoberta dos "análogos morbíficos adequados" à cura pela lei dos semelhantes, algumas plantas já bastante conhecidas por seus princípios ativos com ação nos sistema nervoso. Algumas até hoje utilizadas tanto na “Farmácia Química” como no tratamento homeopático dos distúrbios mentais, como por exemplo: amanita (Amanita muscaria) , belladonna (Atropa belladonna) , cannabis (Cannabis sativa e Cannabis indica) , chamomilla (Matricária chamomilla), hyosciamus (Hyoscyamus niger), opium (Papaver somniferum), stramonium (Datura stramonium), entre outras.

Observe-se porém que os efeitos sobre a psique emoções não se limitam as conhecidas substancias com ação, digamos "drástica", sobre os sistema nervoso central nas formas já enunciadas por Jean Delay (1907-1987) que as classifica as substancias psicoativas como Dislépticas (modificadoras), Lépticos (estimulantes) e Analépticos (depressores). Na perspectiva da homeopatia, administrando aos doentes doses infinitesimais, as substâncias, muitas vezes reconhecidas como tóxicas e letais, apresentam propriedades específicas (referentes à sua “patogenética” intrínseca), que não são necessariamente as mesmas obtidas por maior concentração de determinados componentes descritos como "elemento ativo".

Segundo Chemas no início do século passado, o médico alemão Samuel Hahnemann descobriu, quase que por acaso, um fenômeno surpreendente, de cujas implicações para a nossa compreensão da Natureza só agora a Ciência começou a se dar conta, em toda a sua extensão. Hahnemann, descreve Chemas, ao ingerir uma droga utilizada para o tratamento da malária, o quinino, gozando até então de perfeita saúde, passou a apresentar febre e todos os sintomas da doença contra a qual a droga era utilizada.

Entre os efeitos das centenas de substancias testadas, por esse método então descrito e até hoje continuamente avaliadas, em experimentos dessa natureza e prática clínica, incluem-se pesquisas de sinais e sintomas característicos, comuns às psicopatologias, manifestações mentais e psíquicas (emocionais, comportamentais descritas nas teorias das emoções e psicologia da personalidade), além do que é também valorizado por algumas correntes da homeopatia, a especificidade do adoecimento de cada indivíduo, tal como expresso na máxima atribuída à Hipocrates “não há doenças e sim doentes”.

Para o citado neuropsiquiatra Ricardo Chemas, através da Homeopatia dispomos atualmente de um sistema totalmente confiável de testagem, para avaliar o efeito subjetivo das substâncias materiais sobre o psiquismo humano A utilização da técnica homeopática de auto experimentação constitui-se como um poderoso instrumento, capaz de fornecer uma descrição complementar da matéria e de seus processos, inaugurando assim, a incorporação do espaço subjetivo inerente aos observadores como parte indissolúvel da experiência observada.

Segundo Teixeira, a homeopatia também é um modelo terapêutico que se propõe a tratar o ser humano de forma integrada, diminuindo os custos e os efeitos iatrogênicos da terapêutica farmacológica clássica, através de um modelo de medicina humanizada, que valoriza a relação médico-paciente e a complexidade humana enferma, em seus aspectos espirituais, psíquicos e físicos.

Naturalmente que para exercer tal prática uma especialização em homeopatia é essencial, embora como dito anteriormente, é uma prática clínica que não requer uma formação médica nos moldes da medicina hegemônica, cosmopolita, e sim requer uma identidade e compreensão das pratica integrativas e complementares (PICs) que exploram os aspectos dos símbolos, personalidade e relações éticas entre os seres humanos, o que era antes compreendido como “energia vital”. 

Referências

ACQUARONE, Francisco. Bezerra de Menezes, o médico do pobres. SP, Aliança, 2007

ARAÚJO, Fernanda Nascimento de. Nadando contra corrente: a homeopatia e seus embates na Bahia através da trajetória de Alfredo Soares da Cunha (1913-1936). Rio de Janeiro: Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) -  Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2015. http://www.ppghcs.coc.fiocruz.br/images/dissertacoes/Dissertacao_Fernanda_Araujo.pdf

Artigo  em: http://www.encontro2014.rj.anpuh.org/resources/anais/28/1400522781_ARQUIVO_TextoAnpuhRegional.pdf  Acesso em  05  Maio de  2021

CHEMAS, Ricardo Chequer. Reflexões sobre um grão de sal.
http://ricardochemas.com/artigo3.html acesso em 22 de setembro de 2014

HAHNEMANN, Samuel Organon of Homœopathic Medicine. New York, William Radde, 1849.
Google Books 
Acesso em  05  Maio de  2021

HOMEOPATIAS.COM. Curso de Ciência da Homeopatia https://homeopatias.com/base-legal-para-instituto-brasileiro-homeopatia/ acesso em  05  Maio de  2021 

KLEINMAN, Arthur Concepts and a Model for the comparison of Medical Systems as Cultural Systems. IN: Currer,C e Stacey,M / Concepts of Health, Illness and Disease. A Comparative Perspective, Leomaington 1986

LUZ, Madel, T.. A Arte de Curar versus A Ciência das Doenças. SP, Dynamis Ed., 1996 ISBN 85-7001-497-X

TEIXEIRA, Marcus. Tratamento homeopático dos distúrbios emocionais e comportamentais da infância e da adolescência [Homeopathic treatment of emotional and behavioral disturbances of the childhood and the adolescence]. Pediatria (São Paulo). 29. 286-296. 2007 https://www.researchgate.net/publication/263595919_Tratamento_homeopatico_dos_disturbios_emocionais_e_comportamentais_da_infancia_e_da_adolescencia_Homeopathic_treatment_of_emotional_and_behavioral_disturbances_of_the_childhood_and_the_adolescence acesso em 05 Maio de 2021

SALLES, Sandra Abrahão Chaim; SCHRAIBER, Lilia Blima. Gestores do SUS: apoio e resistências à Homeopatia. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro ,  v. 25, n. 1, p. 195-202,  Jan.  2009 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2009000100021&lng=en&nrm=iso>. access on  05  May  2021.  https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000100021.

WEBER, Beatriz Teixeira. Vínculos entre homeopatia e espiritismo no Rio Grande do Sul na passagem para o século XX. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 26, n. 4, p. 1299-1315, dez. 2019 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702019000401299&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 07 mar. 2020. Epub 28-Nov-2019. https://doi.org/10.1590/s0104-59702019000400016

WIKIPÉDIA (PT) A Loucura sob Novo Prisma https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Loucura_sob_Novo_Prisma acesso em 05  Maio de  2021

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VER TAMBÉM:  Ervanários & Raizeiros