¿ cabe aos profissionais de saúde
estimular o uso e valer-se do conhecimento popular sobre plantas medicinais na
pratica terapêutica dos transtornos mentais ?
Plantas calmantes, emolientes, peitorais.
Larousse Medical Illustré, Paris, 1912. Galtier-Boissière (org.)
Etnomedicina pode ser compreendida como uma interdisciplina ou área de pesquisa e aplicação da etnologia cujo objeto são as práticas culturais voltadas para conservação e recuperação da saúde ou a medicina, como o nome indica. Envolve as descrições etnográficas sobre pessoas, os sujeitos praticantes, suas práticas e crenças (o saber popular e mitologia) de uma cultura específica, usualmente de povos indígenas ou considerados primitivos, previne e trata as doenças, e/ou realiza os estudos etnológicos comparativos dessa prática, simultaneamente questionando as teorias que dão suporte a essa comparação.
Por seu objeto de estudo estar associado à
utilização de plantas medicinais pode ser considerada como um sub-campo
associado à etnobotânica ou incluído na antropologia médica que lida com o
estudo das medicinas tradicionais, não apenas aquelas que têm fontes
escritas e sistemas “profissionais” não hegemônicos (por exemplo, medicina tradicional
chinesa ou ayurvédica), [1; 2] mas sobretudo aquelas cujo corpo de
conhecimentos e práticas têm sido transmitidos oralmente ao longo dos
séculos.
Observe-se porém que os sistemas
culturais, em sua forma originária ou selvagem do pensamento, agir como esquemas classificatórios e organizadores do conhecimento das plantas, não se limita a este, e muitas vezes, o processo ritual terapêutico e as intervenções físicas no corpo são, tão, ou
mais importantes que o efeito farmacológico propriamente dito. Na Medicina Tradicional Chinesa a acupuntura e a fitoterapia são um típico exemplo.
Observe-se também que apesar
do muito que já se aprendeu e lucrou com a identificação de plantas medicinais
utilizadas inicialmente somente por algumas etnias, isoladas do processo civilizatório, perderam seu referencial de origem e passaram a fazer parte
das farmacopéias nacionais que integram a medicina cosmopolita universal e/ou deram origem à fármacos modernos. São reativamente limitados e difundidos os estudos, sobretudo clínicos, sobre o
uso correto ou eficaz de grande parte das plantas.que integram os sistemas etnomédicos tradicionais, geralmente limitando-se aos produtos comercializáveis.
Não há como competir com a ‘precisão
científica’ associada ao marketing comercial dos medicamentos sintéticos e
mesmos extratos comercializados pela indústria farmacêutica multinacional, a “big
pharma” integrada ao complexo médico-industrial-financeiro.
Contudo tanto a utilização de plantas medicinais (estudadas
farmacologicamente ou não) e rituais terapêuticos persistem, como disse Estrela
[2], contrapondo-se à medicina cosmopolita hegemônica. Em função da diversidade
existente são designados como "medicina
alternativa" ou “práticas
integrativas e medicina complementar”.
Segmentos empresariais ávidos de lucro e com limitada compreensão sobre
o que é o conhecimento humano, aliado a crenças racistas ou elitistas e
interesses escusos, tentam rotular essas formas de conhecimento tradicional como pseudociência
desconhecendo sua especificidade enquanto etnopráticas de origem cultural diversa,
ignorando resultados aparentemente anedóticos e mesmo sua plausibilidade biológica. Tais detratores limitam-se a
afirmar que não foram testadas e apresentaram resultados superiores ao efeito placebo, não são testáveis por recorrerem a
explicações espirituais, religiosas ou simples crenças sedimentadas em
tradições, sobre os quais apenas existem estudos inconclusivos provando a sua eficácia,
concluindo, quase sempre, nas revisões sistemáticas apresentadas, que são necessários novos
estudos.
A postura da Organização Mundial de Saúde frente a utilização de tratamentos alternativos é a de pesquisar, implementar o desenvolvimento de políticas proativas com planos de ação que fortalecerão o papel da medicina tradicional e ao mesmo tempo orientar no sentido de ter cautela, devido ao fato de existirem muitos terapeutas despreparados, conhecendo mal as "teorias" relacionadas a crenças tradicionais, além de pessoas inescrupulosas que se valem da boa fé e falta de informação para ludibriar e obter benefícios próprios. Nos dias de hoje esta é uma recomendação válida na maioria das situações do cotidiano, e ocorre em todos os setores profissionais e comerciais.
Ansiolíticos
e sedativos
Ansiolíticos, do ponto de
vista farmacológico são drogas, sintéticas ou não, usadas para diminuir a
ansiedade e a tensão, com um efeito sedativo ou calmante, [4]. Segundo Viktor
Frankl (1905 - 1997) [5] o neuropsiquiatra austríaco fundador da escola de
psicoterapia conhecida como Logoterapia e Análise Existencial as primeiras
drogas utilizadas como tranquilizantes no
mundo europeu foram os relaxantes musculares (o glicerinato de guaiacol
comercializado como “mioscaína” e análogos assim como os meprobomatos (miltaun,
equanil e outros) e posteriormente os derivados da piperazina.
Segundo este autor o que
caracteriza todos esses preparados, como denominador comum, é o seu poder de
interromper e bloquear vis de condução polisinápticas sem atuar sobre os
centros vegetativos ao contrário da neuroplégica (neuroléptica ação sedativa sobre os centros nervosos) e da
timoléptica (fármacos com ação antidepressiva e psicoestimulante) , além de não
causarem um amortecimento do mesencéfalo ao contrário dos hipnóticos. (Frankl oc..
p.96)
A utilização de tais
substancias teve um crescimento aumentado
entre 1960 e 1980. Nesse período, mais de 10% da população consumia
ansiolíticos de maneira regular ou esporádica. [6] Se por um lado os grandes
neurolépticos tipo (clorpromazina) e antipsicóticos derivados, diminuíram a demanda
de contenção física de alguns internos em hospitais psiquiátricos (“camisa de
força”, “quarto forte” etc.) geraram por sua vez riscos de overdose (sobretudo
barbitúricos), síndromes de dependência e diversos outros efeitos colaterais.
O termo sedativo é sinônimo
de calmante ou tranquilizante. Um medicamento hipnótico ou sonífero deve produzir
sonolência e estimular o início e a manutenção de um estado de sono que se
assemelhe o mais possível ao estado do sono natural. Os efeitos hipnóticos
envolvem uma depressão mais profunda do sistema nervoso central (SNC) do que a
sedação. A depressão gradativa dose-dependente da função do SNC constitui uma
característica dos agentes sedativos-hipnóticos, na seguinte ordem: sedação, hipnose,
anestesia, efeitos sobre a respiração/função cardiovascular e coma. Cada
medicamento difere na relação entre a dose, sistema polisináptico de atuação e o grau de depressão do SNC.
Plantas calmantes
Algumas plantas possuem
propriedades ansiolíticas ou calmantes, por mecanismos diversos. [7] [8] Apesar
do uso tradicional, os elementos ativos e a relação de sua estrutura -
atividade ainda são objeto de pesquisa, e não foram completamente elucidados.
Alguns resultados apontam, entre as substancias presentes, para os alcalóides,
flavonóides e ácidos fenólicos, lignanos, cinamatos, terpenos e saponinas que
por sua vez possuem efeitos ansiolíticos em uma ampla variedade de modelos
animais de ansiedade a exemplo dos mecanismos de interação com os receptores de
ácido γ-aminobutírico (GABA); receptores serotoninérgicos compatíveis com a
5-hidroxitriptamina (5-HT) 1A e 5-HT2A; sistemas noradrenérgicos e
dopaminérgicos, receptores de glicina e glutamato; o receptor opióide-κ, e
receptores canabinoides (CB) 1 e CB2. [9] [10]
Entre as plantas mais
estudadas estão as que produzem óleos essenciais como a Lavandula angustifolia,
o Citrus aurantium; [11] a Melissa officinalis;[12] diversas espécies de
mulungu (Erythrina) [13] [14] [15]; as reconhecidas: valeriana (Valeriana
officinalis), [16] [17] camomila (Matricaria chamomilla L.) [18] e passifloras. [19] [20] [21]
Uma oferta orientada de
plantas com efeito psicoativo sedativo e/ou anti-depressivo possivelmente pode
reduzir a demanda pela classe de psicotrópicos industrializados utilizados como
medicação psiquiátrica. Além de ser um
importante apoio terapêutico a uma intervenção não baseada na hospitalização, pode
valorizar ainda o saber popular dos “raizeiros” e vendedores de ervas e
recursos ecológicos de cada comunidade.
Contudo como vimos muito ainda falta para integrarmos o conhecimento popular oriundo de diversas culturas a uma pratica clínica que não se limite à prescrição controlada indiretamente pela indústria farmacêutica e marketing comercial revestido de cientificidade, praticado por farmacêuticos e médicos contratados pela “big pharma”. Não devem ser esquecidos, estudados e aperfeiçoados os relativamente bem sucedidos programas de "Médicos de Pés Descalços" na China ( 赤脚医生 - atualmente médicos rurais / village doctors) e os "Agentes Comunitários de Saúde" do SUS - Sistema Único de Saúde no Brasil.
Referências
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20 - SANTOS Kely Cristina
dos. Atividades sedativa e ansiolítica dos extratos de Passiflora actinia
Hooker, PASSIFLORACEAE. Dissertação (Mestrado) apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas do Setor de Ciências da Saúde, da
Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Cid Aimbiré de Moraes
Santos; Maria M.Weffort de Oliveira. Curitiba, 2003 PDF Acesso. Fev. 2016
21 - PROVENSI,
Gustavo. Investigação da atividade ansiolítica de passiflora alata curtis
(passifloraceae). Dissertação de Mestrado. Orientador: Rates, Stela Maris Kuze,
Co-orientador: Gosmann, Grace Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Faculdade de Farmácia. Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas. RGS,
2007 PDF Aces, Fev. 2016
Nota: Além das referências citadas utilizamos ainda, nossas contribuições a alguns textos da wikipédia pt,, sobretudo textos dos verbetes “Etnomedicina” "Ansiolíticos" e alguns outros já bastantes desfigurados pela guerra de editores sobretudo envolvidos crença de “racionalidade científica superior”. Naquela enciclopédia colaborativa, universal e multilíngue assino como CostaPPPR. Observe-se que de modo algum desmereço o valor daquela proposição de construção coletiva que é a Wikipédia e entendo como natural da ciência e natureza humana tais conflitos que examinados no ótica de Thomas Kuhn (1922-1996) fazem parte da construção e transformação dos paradigmas das teorias na história da ciência.
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