RESUMO
A partir do conceito de energia vital investiga-se a partir de revisão
bibliográfica as contribuições do Dr. Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti
(1831-1900) evidenciando-se suas múltiplas acepções de ação orgânica, clínica e
psicossocial, no tratamento dos distúrbios mentais. Observou-se que esta
concepção multidimensional, prismática, desenvolveu-se ao longo da trajetória
profissional do Dr. Bezerra de Menezes, desde suas atividades como estudante de
medicina, médico clínico, homeopata, político e eminente representante da
religião espírita. O problema das lacunas de documentos históricos, evidências
quanto ao período em que o livro foi escrito e fontes bibliográficas primárias,
foi contornado pela interpretação do Zeitgeist,
espírito dos finais do séc. XIX no Brasil, ou correlação de sua obra e história
de vida. Identificou-se um nítido e coerente emprego do conceito de energia
vital análogo às modernas proposições das práticas integrativas e
complementares (PICS) integradas na concepção de paradigma vitalista,
psicologia analítica e clínica psicossocial com promissoras aplicações da
homeopatia na farmacopsicoterapia.
Palavras
chave: Bezerra de Menezes, energia vital, doença, saúde mental
Texto
publicado, como resenha do livro A loucura sob novo prisma na wikipédia, agora
revisto para integrar os estudos sobre a construção do paradigma vitalista que
integra, e é capaz de orientar a Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares - PNPIC, que incluía inicialmente a Acupuntura, Homeopatia,
Fitoterapia e o Termalismo Social/Crenoterapia
(Portaria MS nº 971, de 03 de maio de 2006) e posteriormente as
seguintes práticas: aromaterapia, apiterapia, bioenergética, constelação
familiar, cromoterapia, geoterapia, hipnoterapia, imposição de mãos, medicina
antroposófica/antroposofia aplicada à saúde, ozonioterapia, terapia de florais
(Portaria MS n° 702, de 21 de março de 2018)
Muito já se escreveu sobre “energia
vital” inclusive sobre os possíveis paralelos entre as racionalidades médicas
orientais, especialmente as definições de Qi ou ch'i (氣)
da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), Prāna (em sânscrito प्राण, sopro de vida) ou Kundalini (em
sânscrito: कुण्डलिनी , ora descrita como serpente, ora
como deusa ou energia) e a homeopatia, onde foi descrita por Samuel Hahnemann
(1755 – 1843) no Organon como: “a força (autocrática) que anima dinamicamente, reina
com poder ilimitado e mantém todas as partes do organismo em perfeito estado, e
harmonia, nas suas sensações e funções, integrando
à alma (ou a mente e sentimentos) ao corpo”. Literalmente ... “de maneira que o espírito dotado de razão,
que reside em nós, pode livremente dispor desse instrumento vivo e são para
atender aos mais altos fins de nossa existência” (Organon § 9) [1] [2] [3] Hahnemann, observa ainda Àvila-Pires,
comparava a força vital ao magnetismo e ao mesmerismo, em voga na sua época. [4]
Como
se sabe o Espiritismo e a Homeopatia tiveram uma origem comum no Brasil, ambos
com lugar de destaque na corte e na medicina do período imperial. [5]. Consta que Dom Pedro I (1798 - 1834)
correspondia-se com Hahnemann e que José Bonifácio (1763 - 1838) foi um dos
primeiros experimentadores tanto da homeopatia como do espiritismo e que um
conhecido vereador e médico homeopata, Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti
(1831-1900), objeto de nosso presente estudo, se destacou na propagação dessa
pretensa "ciência espírita" nos deixando algumas reflexões sobre sua
interface de sua aplicação ao tratamento das “doenças mentais”. Um dos
objetivos do presente texto portanto é pesquisar as referências desse médico
tanto à homeopatia, por suas referências à “energia vital” como ao tratamento
das doenças mentais como publicado no seu livro “A loucura sob novo prisma” aqui
analisado.
Racionalidade médicas
O
projeto RM (racionalidade médica) que emergiu no Campo da Saúde Coletiva, área
das Ciências Sociais e Humanas em Saúde, no início da década de 1990, propôs a
comparação das medicinas homeopática, tradicional chinesa, ayurvédica e
ocidental contemporânea no que vem sendo denominado no chamado paradigma
vitalista [6]. Observe-se que entre outros
aspectos comparáveis, está a concepção de que a energia vital não se limita, ou
é traduzível apenas pelo conceito de força, trabalho ou potência (energia), pois
abrange além do aspecto quantitativo uma dimensão qualitativa ou simbólica (psíquico)
que abrange as relações familiares e sociais (morais) e a ética dos
comportamentos dos indivíduos.
Sabe-se
porém que generalizações sobre as descrições etnográficas sobre práticas
médicas e técnicas corporais, apesar de necessárias na perspectiva de estudos
teóricos (enológicos), são inadequados porque, existe certa especificidade em
cada sistema de crenças e/ou de enunciados dessa prática e saber “médico” que
se constituem sobre elementos empíricos, mágicos, míticos religiosos e
racionais que podem ficar ocultas no exercício da comparação (etnocêntrica). [7] [8] [9]
Por
outro lado a comparação, como se fossem atalhos indicadores das linhas de
pesquisa, nos permite ampliar o conhecimento, organizando este sob a forma de
modelos etiológicos e terapêuticos fundamentados em teorias de base empírica e
científica. [10]
Segundo
Luz e Kleinman tais modelos podem ser comparados segundo sua “complexidade”
integrando, segundo Luz [11], [12] cinco
dimensões básicas concebidas a partir de modelos teóricos, simbólicos ou
práticas, a saber: (A) uma morfologia humana; (B) uma dinâmica vital humana; (C)
uma doutrina médica; (D) um sistema de diagnose; (E) uma cosmologia (F) um
sistema terapêutico. E/ou, segundo Kleinman [13],
é possível uma divisão entre as áreas (arenas) ou setores: popular (folk) e
popular (doméstico) com o setor profissional.
Nessa concepção as medicinas homeopática, tradicional chinesa e
ayurvédica correspondem ao setor popular (folk) e a medicina cosmopolita
ocidental ao setor profissional. As medicinas tribais ameríndias, africanas e
seus derivados ou sobrevivências, situam-se no âmbito doméstico (um saber
compartilhado por toda comunidade) e confundem-se com os sistemas míticos
religiosos. A medicina espírita, que é nosso presente objeto de estudo,
situa-se nesse âmbito.
Medicina espírita &
medicina homeopática no tratamento dos distúrbios mentais
Uma
vez delimitado as possibilidade de entendimento e uso do conceito de “energia
vital” nos cabe a análise das contribuições do Dr. Bezerra de Menezes tanto ao
tratamento dos distúrbios mentais com medicação homeopática e em uma
perspectiva da “medicina espírita”, enquanto um aspecto da arena do saber
médico popular ou mítico religioso, considerando que um de seus principais
escritos sobre o tema, o livro “A
loucura sob novo prisma” e o “Livro dos Espíritos” (em portugûes) foram
editados pela Federação Espírita Brasileira (FEB), fundada em 1884.
São
pouco conhecidas e divulgadas as recomendações quanto ao uso e a prescrição de
fitoterápicos e remédios homeopáticos do Dr. Bezerra de Menezes para doenças
nervosas ou distúrbios mentais. No filme sobre sua vida, Bezerra de Menezes - O
Diário de um Espírito (dirigido por Glauber Filho e Joe Pimentel em 2008)
assiste-se a uma cena onde o ator Carlos Vereza, no papel título, apresenta um
estudo, em sala de aula, sobre as propriedades medicinais das Passifloras,
reconhecidas por sua ação sedativa, e consta também entre suas publicações um
estudo sobre o Curare. [14]
Observe-se
porém que para a homeopatia, quaisquer características humanas,
desproporcionais em sua expressão natural e promotora de distúrbios de qualquer
natureza (espiritual, social, familiar, escolar, psíquica, emocional, física,
climática, alimentar etc.), são consideradas sintomas homeopáticos passíveis de
modulação por aplicação de medicação a partir do princípio da similitude
terapêutica. [15] Na própria obra de
Hahnemann, o clássico Organon, 1810, já são descritos a importância dos fatores
emocionais e psicológicos como causas das doenças, sendo implícito, portanto, o
interesse do Dr. Bezerra de Menezes no tratamento dos distúrbios emocionais.
A
farmacopeia homeopática reúne um reconhecido grupo de substancias psicoativas
presentes em diversos vegetais (principalmente), alguns minerais a exemplo do
arsênico (Arsenicum album) e mercúrio (Mercurius solubilis) em diluições
adequadas e nosódios ou seja, medicamentos preparados a partir de produto
patológico de origem animal ou vegetal. Muitos destes medicamentos são
conhecidos desde a proposição original de Hanneman (1755 – 1843) que já
considerava a “doença mental como uma alteração patológica e não uma possessão
demoníaca como era a regra de sua época.
No
tratamento homeopático, além dos distúrbios mentais como conhecemos hoje,
diversas outras indicações terapêuticas e substancias foram pesquisadas por
diversos auto observadores e clínicos, além de Hanneman, tanto das fontes de
“tintura mãe” como de suas diluições. Entre plantas psicoativas utilizadas temos,
por exemplo: amanita (Amanita muscaria),
belladonna (Atropa belladonna), cânhamo
(Cannabis indica e C. Sativa) chamomilla (Matricária chamomilla), hyosciamus (Hyoscyamus niger), helleborus (Helleborus niger) nux vomica (Strychnos nux-vomica), opium (Papaver
somniferum), stramonium (Datura
stramonium), valeriana (Valeriana
officinalis) entre outras e como dito, na homeopatia o uso dessas plantas não
se limita às afecções do sistema nervoso. [16]
O
interesse do tratamento dos distúrbios por tal classe de substancia psicoativas
e seu potencial de uso em diluições vem sendo renovado, sobretudo por recentes
pesquisas sobre uso de uma classe de substancias consideradas psicodislépticos
ou psicodélicos tais como LSD – Dietilamida do ácido Lisérgico (extraído do
fungo Claviceps purpúrea); Psilocibina
(do Psylocibe cubensis); DMT –
Dimetiltriptamina / Ayahuasca (da Psychotria
viridis e Banisteriopsis caapi) ;
Mescalina (do cacto Peyote ou Lophophora
williamsii ) [17], [18], [19], [20]
O livro “A
loucura sob novo prisma”
A
“Loucura sob novo prisma”, é o título do livro que se encontra na 13ª edição
pela FEB - Federação Espírita Brasileira, por quem é editado desde 1920 (1939).
Livro póstumo mas possivelmente escrito pelo próprio Adolfo Bezerra de Menezes
Cavalcanti (1831-1900) enquanto "encarnado", ou seja no período que
abrange o Brasil do Império e do início da República. [21]
Segundo
Klein Filho, um dos biógrafos de Bezerra de Menezes, [22]
esse livro teve sua primeira edição
em 1921, pela tipografia Bohemias, e sua quarta edição comprovadamente realizada
pela FEB. Sua análise ou nos remete ao final do século XIX ou início do Séc.
XX, portanto, e, independente do período em que foi escrito relaciona-se, como
veremos, à tentativa de simultaneamente abordar o tema das doenças mentais no
ponto de vista religioso e científico.
Várias
publicações da doutrina espírita sobre a "doença mental" tomam com
referência as questões respondidas no "O Livro dos Espíritos" de
Allan Kardec no capítulo IX (Parte Segunda) intitulado "Da intervenção dos
espíritos no mundo corpóreo", em especial os textos sobre Possessos e
Convulsionários; e no capítulo VII os textos sobre "idiotismo e
loucura". Após 1920 podemos afirmar com segurança o próprio livro do Dr.
Bezerra de Menezes, torna-se uma referência do tema, a exemplo de suas citações
no livro do médium Divaldo Franco, Loucura e Obsessão entre outros. O referido
livro "A loucura sob novo prisma" não foge à regra de concordância
com a obra de Kardec, o que também pode ser considerado um indicativo de sua
autoria na época (século XIX), pois não cita autores do início do século XX,
nem mesmo os continuadores da abordagem espírita. Tal hipótese pode ser
complementada por uma análise do estilo e características ortográficas da
época, a ser realizado. [23]
Na
coletânea de Ramiro Gama (1898-1981) "Lindos casos de Bezerra de
Menezes" há diversas referências à interpretação e interesse do Dr.
Bezerra de Menezes sobre esse tema da "doença mental". [24] Observe-se também, que quanto ao "Livro
dos espíritos", como se sabe, Menezes foi um dos seus divulgadores e
defensores desde que tomou conhecimento dessa obra, na sua primeira tradução
para língua portuguesa em 1875, pelo Dr. Joaquim Carlos Travassos (1839-1915)
de quem recebeu um exemplar. Contudo ainda existem poucos estudos sobre a
importância e impacto do livro do Dr. Bezerra de Menezes no modo de tratamento
dos casos de distúrbio mental nos meios científicos e mesmo em centros
espíritas.
Pouco
ainda se conhece também, sobre a relação dessa obra com suas contribuições à
homeopatia, parapsicologia e o desenvolvimento da psiquiatria e psicologia no
Brasil enquanto objeto de estudo de sua história ou somente para confirmação
(verificação de eficácia) ou contestação apesar de seu reconhecimento pela
doutrina espírita. Assim como também o
nome de Hahnemann não é citado em textos sobre a história da psicologia, nem
seu nome é reconhecido na psicologia hoje. E, no entanto, mesmo antes de
Hahnemann desenvolver a ciência homeopática, ele fez contribuições importantes
para o cuidado da saúde mental. No final dos anos 1700, a loucura era
considerada possessão de demônios. Os insanos eram considerados animais
selvagens, e o tratamento era principalmente punição. Hahnemann foi um dos
poucos médicos que percebeu a doença mental como uma doença que requer um
tratamento humano. Ele se opôs à prática de acorrentar pacientes mentais,
concedeu respeito a eles e recomendou descanso e relaxamento simples. Embora
esse tipo de atendimento possa parecer obviamente importante, ele foi
revolucionário na época. [25] [26]
Ainda sobre o livro
(sumário e principais referências)
O
livro divide-se em três capítulos: o primeiro discorre sobre a existência do
espírito ou alma, em ampla discussão, passando em revista a história da
filosofia, tradições populares e relatos de casos. No segundo capítulo aborda a
questão das relações entre o espírito e o cérebro, mas, ao contrário do
primeiro cita poucos textos, especialmente de médicos, frenologistas e/ou
fisiologistas de sua época. Fundamenta-se na dualidade proposta por René
Descartes (1596 - 1650) e em "experimentos espíritas" realizados na
época. Entre os experimentos cita a participação do físico - químico inglês,
Sir. William Crookes (1832 - 1919), um dos primeiros cientistas a investigar o
estado físico da matéria que hoje é chamado de plasmas, além do conhecido
Cesare Lombroso (1835 - 1909) graças às suas contribuições à criminologia.
Lombroso
publicou em sua época primeiramente livros contra [27]
e depois a favor das crenças espíritas. [28] As primeiras experiências
espíritas realizadas por ele, segundo consta, a convite do conde Ercole Chiaia,
foram sessões com a médium italiana Eusápia Palladino descritas no seu livro
Hipnotismo e Mediunidade, e podem ser consideradas uma influência intelectual à
obra aqui analisada.
Finalmente
no terceiro capítulo, intitulado Obsessão, Menezes refere-se à concepção de
Esquirol (1772 - 1840) quanto ao problema da integridade ou lesão cerebral dos
portadores de transtorno mental bem como na busca e explicação dos surtos,
remissão de sintomas e analisa o fenômeno da anestesia, recorrendo também, para
surpresa de alguns teóricos da época, a um depoimento do espírito de Samuel
Hahnemann (1755 - 1843) (Menezes, o.c. p. 170) embora não sejam conhecidas
referências a prática do espiritismo e/ou à Allan Kardeck (1804 - 1869) por
Hahnemann em sua vida na Saxônia ou em Paris, para onde se mudou em junho de
1835.
Neste
terceiro capítulo apresenta uma estratégia para, segundo ele, a difícil tarefa
de distinção entre a "loucura moral" ou mais apropriadamente
denominada de "loucura psicológica" enquanto perturbação apenas da
faculdade anímica e, as associadas à lesão de seu "instrumento de
manifestação", o cérebro. Observando que nas lesões cerebrais, sendo
possível, a reparação do dano teríamos as funções mentais restauradas, ao
contrário dos casos onde não se identificam alterações orgânicas. No primeiro
grupo é onde se insere o que o espiritismo chama de obsessão, com suas fases de
"desfalecimento" e "arrastamento" onde se rompe a harmonia
entre o "ser pensante" e órgão de manifestação do pensamento
(cérebro). Segundo ele o espírito permanece "lúcido" em ambos os
casos e o mal consiste na irregularidade da comunicação
("transmissão") alma - cérebro (no caso da obsessão) ou manifestação
do pensamento (nas lesões orgânicas). Reconhece a utilidade da hipnose como
forma de distinção diagnóstica e intervenção em ambos casos, contudo adverte
sobre os refratários a esse método, citando os experimentos de Jean-Martin
Charcot (1825 - 1893) e afirma ser "a cura pelos meios morais, a melhor
prova de exatidão do diagnóstico" (o.c. p. 178). Observe-se a concordância
da obra com o mundo e questões intelectuais (zeitgeist) do final do século XIX.
Contribuições à
homeopatia
Pouco
se conhece da atuação do Dr. Bezerra de Menezes enquanto médico homeopata e
menos ainda enquanto clínico do que hoje denominamos distúrbios psiquiátricos.
Consta
que atendia, próximo de sua residência ente 1897 e 1900, os últimos 4 anos de
sua vida, tanto na clínica privada como filantrópica, em um consultório situado
acima da na Farmácia do Laboratório Homeopático A. Cordeiro & Companhia,
que inclusive lhe aviava as receitas. Atendeu também, como homeopata, desde
1895, no “Serviço de Assistência aos Necessitados” da Federação Espírita Brasileira
- FEB a pedido do Dr. Bittencourt Sampaio, que também o convidou a assumir a
presidência da FEB, cargo que exerceu, em concomitância com os atendimentos
até seu falecimento, em 11 de abril de 1900. [31]
[32]
Sabe-se
também que, como visto, no Brasil o Espiritismo e a Homeopatia tiveram uma
origem comum, ambos com lugar de destaque na corte e na medicina do período
imperial. [5]. Segundo publicado na
revista de divulgação da doutrina espírita, Reformador de 1º de maio de 1883 o
conhecido homeopata Melo Moraes (1816 - 1882) integrava um group espírita
juntamente com o Marquês de Olinda (1793 -1870) e o Visconde de Uberaba (1792
-1856) entre outros vultos notáveis da época. [29] Apesar
do conhecimento e divulgação desta especialidade médica entre intelectuais da
corte, considera-se que a homeopatia, foi introduzida no Brasil no dia 21 de
novembro de 1840 (atual Dia Nacional da Homeopatia) pelo médico francês Jules
Benoit Mure (1809 - 1858). [30]
Entre
os estudos e pesquisas sobre terapêutica e medicina clínica do Dr. Bezerra de
Menezes, merece ser citado seu interesse pela medicina medianímica inclusive
com experimentos pessoais de seu tratamento e de sua esposa com o médico
desencarnado Dr. Menezes Dias da Cruz, através do médium receitista João Gonçalves
do Nascimento (1844 - 1916). Experiência esta, possivelmente entre outras, que
lhe conduziu a proferir um parecer favorável, na câmera de vereadores, e em
oficio à presidência da república (Marechal Deodoro da Fonseca), sobre sua
eficácia (que deveria ser investigada) e/ou contra a sua criminalização. [33] [34]
O
vereador Bezerra de Menezes fez diversas recomendações contra a proibição dessa
prática, acusada por vezes de feitiçaria, [Nota 1] e
à demanda por estudos e verificação estatística de seus resultados, em artigos
publicados na sua coluna "Espiritismo, Estudos Filosóficos" no Jornal
"O Paiz" entre 1887 e 1895, da capital republicana da época (o Rio de
Janeiro), onde assinava com pseudônimo de Max. [35]
Observe-se
também que o Dr. Bezerra de Menezes se considerou um homeopata, autodidata [32], pois não
frequentou o Instituto de Homeopatia do Brasil fundado em 1843 [31], mas por ser estudioso da medicina dos
espíritos praticada pelos médicos receitistas, aplicado a homeopatia no
tratamento de seus familiares e por ter exercido a prática cirúrgica como
Assessor do Cirurgião Mor no Exército Brasileiro e ter sido redator de um dos
principais periódicos científicos da época. Além de ser um destacado
pesquisador da doutrina espírita, ou seja, foi após muitos anos de estudos
teóricos e prática médica, que dedicou-se à homeopatia.
São
tênues os limites entre as concepções de doença
como sendo uma desordem da energia vital, integrantes do paradigma vitalista,
ainda hegemônico da época, tanto no espiritismo científico, quanto na
homeopatia ou alopatia, apesar das críticas e polêmicas da época contra a
homeopatia e espiritismo. Observe-se também que o Dr. Samuel Hahnemann, é
citado como referência sobre a importância dos temperamentos (coléricos,
bilioso e linfático) no livro “O evangelho segundo o espiritismo” (Cap. 9 -
Bem-Aventurados os Mansos e Pacíficos).
No
clássico livro base da homeopatia (Organon) a palavra “espírito” citada dezenas
de vezes e também é reconhecida e descrita a importância dos fatores emocionais
como causas das doenças. Pode ter sido
este o interesse do Dr. Bezerra de Menezes no tratamento dos distúrbios
emocionais, que o conduziu a escrever “A loucura sob novo prisma” mas, são
também frequentes, nas suas biografias, as citações de que um dos seus filhos,
ainda jovem, foi acometido por uma doença mental.
Contribuições à saúde
mental
O
Dr Bezerra de Menezes obteve o doutoramento (graduação) em 1856, com a defesa
da tese: "Diagnóstico do cancro", onde já analisa a influência dos
temperamentos, hábitos, profissões, emoções (paixões morais tristes e
deprimentes), irritabilidade local e hereditariedade no conjunto de fatores
multicausais da patologia. [36] Nesse mesmo
ano, como referido em sua biografia, o Dr. Manuel Feliciano Pereira Carvalho,
seu antigo professor, o convidou para trabalhar como seu assistente. Em 1858
foi nomeado como assistente do Corpo de Saúde do Exército, no posto de
Cirurgião-tenente. Entre 1859 a 1861 exerceu a função de redator dos Anais
Brasilienses de Medicina, periódico da Academia Imperial de Medicina.
Como
se vê, além do livro "A loucura sob novo prisma" (publicado
postumamente) e das referências à utilização da homeopatia, pouco se conhece,
como dito, da sua atuação e interesse na área de saúde mental. Nessa época já
existiam cerca de 20 hospitais para internamento de doentes mentais em todo
território nacional e o tratamento mais utilizado era a internação. [37] [Nota 2]
Seus
trabalhos na Câmera Municipal do Rio de Janeiro (a capital do país) revelam que
o Dr. Bezerra de Menezes estava atento para questões psicossociais (no modo
como as compreendemos hoje). Além de medidas sanitárias usuais (localização
adequada de do abatedouro, reformas no sistema de abastecimento de água) participou
da campanha abolicionista e publicou o ensaio "A escravidão no Brasil e as
medidas que convém tomar para extingui-la sem danos para a Nação" (1869),
onde incluía recomendações não só a libertação dos escravos, mas também a
inserção e adaptação dos mesmos na sociedade por meio da educação. Nessa
perspectiva destaca-se ainda no seu trabalho como deputado o projeto de lei
destinado à regulamentar o trabalho doméstico, visando conceder a essa
categoria, inclusive, o aviso prévio de 30 dias.
Segundo
Monteiro [38] um de seus importantes
biógrafos, no livro “A loucura sob novo prisma” o Dr. Bezerra de Menezes
reafirma a harmonia possível entre a religião e o progresso científico (ver
carta a seu irmão sobre sua conversão ao Espiritismo), [39]
uma constante preocupação de sua época e ambiente intelectual das suas
relações sociais (jornalistas, administradores, políticos, profissionais
liberais, etc.) que não se conformavam com o seu compromisso com a doutrina
espírita. De acordo com esse autor a tese central deste livro é a de que a loucura não pode ser considerada sob um
único prisma, tendo em vista o grande número de casos em que não se apresenta
qualquer lesão cerebral e que a ciência não pode ignorar a outra causa da
loucura, proveniente de obsessão espiritual, exigindo, por isso mesmo, tratamento
específico.
Como
vimos, é também inquestionável a sua atenção aos problemas relativos à doenças
nervosas. Além deste livro, há um artigo de sua autoria, publicado no
Reformador de 15 de abril de 1890, onde descreve uma obsessão em um rapaz de 22
anos, “há tempos sofrendo de perturbação mental” e “verdadeira fúria” onde
deixa evidente sua proposição de trabalho em casos identificados como de
obsessão com atuação mediúnica em sessão espírita. [38]
[40]
Outra
referência histórica ao tema da loucura e obsessão encontra-se no artigo
publicado na sua coluna no jornal "O Paiz", intitulado "Loucura
e Obsessão" onde, não só apresenta sucintamente as contribuições do já
citado psiquiatra francês Jean-Étienne Dominique Esquirol sobre o "cérebro
perfeito" dos "loucos incuráveis" condenados a reclusão, o
"grande passivo da ciência psiquiátrica", segundo ele, como também
anuncia "o tratado, que está a escrever há dois anos, sobre esse
importante assunto" e que, um dia publicará. Não há dúvidas que se trata
do livro "A loucura sob novo prisma", onde inclusive, como vimos
anteriormente, retoma críticas às contribuições de Esquirol e estudos da época
sobre memória (orgânica, inconsciente) e força motora, segundo ele não
conclusivos. Afirmando, explicitamente, os resultados positivos da aplicação de
fluidos por médiuns devidamente preparados para tal. Na caracterização dessa
preparação cita Erasto em texto publicado na Revista Espírita de Paris ainda
sob a direção de Allan Kardec (1804 - 1869) [41]
Contudo
a relevância desse autor e sua importância para a cultura brasileira estão no
reconhecimento das relações entre religião e saúde mental para compreensão da
mente humana, onde, um estudo contextualizado e referenciado de sua produção
ainda está por ser realizado, apesar da considerável produção teórica
explorando a relação entre psicologia (psicanálise) e religião. O mesmo pode
ser dito quanto a estudos de reconhecimento consensual que mostrem a eficácia
da medicação homeopática (e fitoterápica) com os distúrbios mentais.
Concluindo
Observe-se
que apesar de consideráveis estudos sobre possessão, interpretadas no final do
século XIX e início do século XX (ver Nina Rodrigues e Jean-Martin Charcot por
exemplo) como uma manifestação epiléptica, histérica, ou de sugestão hipnótica,
o Dr. Bezerra de Menezes, após revisão dos principais autores médicos de sua
época como vimos acima, adotou uma posição contrária a essa postura intelectual
imposta pelo paradigma materialista instituído. Em nossos dias, cada vez mais
se tem explorado os aspectos “normais” e ou potencias (enquanto expansão da
consciência) dos estados de transe, visões e outras manifestações religiosas.
Outro
mérito desta obra ou quiçá de toda aplicação da concepção de energia e fluido
vital às patologias estudas pelo Dr. Bezerra de Menezes, especialmente o câncer
e doenças mentais, é a compreensão ampliada, unificando (?) as concepções
espíritas e homeopáticas tanto nas intervenções somáticas (orgânicas no
tratamento cirúrgico do câncer e psicofarmacológico) ou espirituais nos rituais psicossociais
das sessões espíritas. Naturalmente que as suas concepções sobre a natureza e
tratamento do câncer, expresso na sua tese [36] ainda
precisam ser melhor analisadas, tanto do ponto de vista histórico como na ótica
da homeopatia e concepção espírita.
Questões
estas que ainda permanecem e atravessaram todo o século XX nas proposições de
análise quantitativas (finalistas / eletroquímicas) e qualitativas (causalistas
/ simbólicas) da energia psíquica ou libido no tratamento dos distúrbios
mentais através da psicanálise e psicologia analítica. Notadamente, espero ter evidenciado, que as contribuições do Dr. Bezerra de Menezes para compreensão da energia e fluido vital, neste livro e em outras contribuições de artigos sobre a religião espírita e a loucura (possessão) ou doenças mentais consultados, foi destacar os aspectos simbólicos ou a dimensão qualitativa dos miasmas e energia em sua articulação com questões psicossociais.
Segundo
C. G. Jung (1875 - 1961) a energia vital, hipoteticamente admitida, pode ser chamada
libido, tendo em vista seu emprego em psicologia, diferenciando-a, assim, de um
conceito de energia universal e conservando - lhe, por consequência, o direito
especial da psicanálise de formar seus próprios conceitos, não invalidando os
termos "bioenergia" ou "energia vital". [42]
É
também, ingenuidade supor que as descobertas microbiológicas de Pasteur
explicaram a natureza e origem da vida e que o vitalismo e cientificidade sejam,
termos, incompatíveis entre si ou que a oposição homeopatia X alopatia,
resolveu-se em finais dos século XIX, note-se que ambas concepções atualizaram-se. Luz, ainda nos chama atenção que é também um reducionismo nos prendermos a esta
questão da dimensão espiritual da energia, apesar de sua importância, diante de outras oposições
possíveis, tais como (1) medicina dos doentes por oposição à medicina das
doenças; (2) atenção ao discurso do paciente em oposição ao reducionismo anátomo-clínico;
(3) atenção à gestalt em vez da
limitação à etiologia; (4) personificação de doses e medicamentos em vez de
generalizar doses e drogas à patologias ou sintomas; juntamente com questões
ainda pouco compreendidas como (5) a dinamização e propriedades físicas de “substancias”
no nível de diluição infinitesimal; ou (6) a natureza da experimentação de
medicamentos no homem sadio, no caso: auto experimentação e relato verbal ("drug pictures" e "proving" como denominados por Hahnemann). [43] [44] [45] Aliás
observe-se que o princípio cientifico da experimentação e confirmação clínica
(no caso da homeopatia) são critérios da ciência e da homeopatia.
A
análise do contexto institucional e proposições deste livro sobre as
inter-relações entre a doutrina espírita, homeopatia e a psiquiatria, seja
escrito nos finais do século XIX ou início do século XX, podem trazer novas
contribuições à identificação da sucessão de contribuições históricas sobre psicose
e religiosidade ou espiritualidade. Parapsicólogos espíritas como Menezes Jr
& Moreira-Almeida [46] comentam a atual
produção sobre essa relação, distinguindo entre as pesquisas atuais disponíveis
dois grandes grupos: religiosidade e seu impacto sobre os pacientes psicóticos
e o tema do diagnóstico diferencial entre experiências espirituais e
transtornos psicóticos, onde identificam desde generalizações simplificadoras
até as aproximações de impossíveis comprovações (no atual paradigma
científico), ressaltando porém os vazios teóricos da área e possibilidades de
desenvolvimento de uma melhor compreensão da experiência humana. Além da
promoção de meios mais eficazes de cuidados clínicos, humanitário e sensível, no
campo da saúde mental.
.....................
NOTA 1
Lê-se no Decreto nº 847, de 11 de outubro de
1890: Código Penal da República. Artigo 157: "É crime praticar o
Espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias, para
despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou
incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade pública. Pena: prisão
celular de 1 a 6 meses e multa de 100$000 a 500$000."
NOTA 2
Engel, analisando a prática médica, as instituições e concepção de
loucura no Rio de Janeiro, 1830-1930, constataram as contradições diagnósticas
e manifestações de contestação. Citam o caso de R. C. S., internado no Hospital
Nacional de Alienados durante quase três décadas com o diagnóstico de paranóia,
que era espírita e, por isso, atribuía as suas crises de loucura à ação dos
espíritos. Fazia questão de sublinhar que detinha uma outra verdade da loucura
diferente da imposta pela psiquiatria, denunciando a arbitrariedade do poder
daqueles que o diagnosticaram como louco: Quando tive os primeiros acessos,
enfim quando consenti que se me tomasse por maluco, disse-me... cedo, não aos
preceitos científicos que se invocam, mas a um processo de ‘Força maior’.
Alguém que pode mais do que eu resolveu fazer-me maluco; não posso resistir, é
forçoso sujeitar-me. (apud Moura, 1923:36) No desespero da consciência da
desrazão, aprisionado nos labirintos do hospício, R. C. S. equilibra-se numa
corda bamba: consente e rejeita, oscilando, entre a resistência e a sujeição. In:
ENGEL, MG. Os delírios da razão: médicos, loucos e hospícios (Rio de Janeiro,
1830-1930) [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001. 352 p. Loucura
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( 1822 – 1895)
foto antes de 1895 Paul Nadar (wikimedia commons)
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Urea - Wöhler
synthesis
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Prāna (em
sânscrito:प्राण, sopro de vida)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Prana
Qi or ch'i or
ki, traditional Chinese: 氣;
pinyin: qì
https://en.wikipedia.org/wiki/Qi
Physis Greek:
φύσις [pʰýsis]) / Latin translation "natura"
https://en.wikipedia.org/wiki/Physis
Pneuma (πνεῦμα)
Greek:"breath","spirit" or "soul".
https://en.wikipedia.org/wiki/Pneuma
Fotos de
Bezerra de Menezes, reunidas por Nóbrega; Machado [32]
Colagem: CostaPPPR
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download
A LOUCURA SOB NOVO PRISMA
Bezerra de Menezes
(Sob o pseudônimo Max)
Publicação original de 1920:
Editora FEB – Federação Espírita Brasileira
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