quinta-feira, 8 de março de 2012

Algumas considerações sobre prescrição de psicofármacos por psicólogos.

Há muito que se sabe da importância das emoções no tratamento dos distúrbios psicossomáticos. Sabe-se também que existem diversas maneiras de obtenção do autocontrole ou desenvolvimento da inteligência emocional, a inteligência intra-pessoal (auto-conhecimento) e inter pessoal (atenção aos sentimentos de outras pessoas) na concepção de Howard Gardner, desde a psicoterapia, técnicas de meditação e relaxamento (treinamento autógeno), acupuntura, até a utilização de psicofármacos.

Psicanalistas e psicólogos das mais diversas formações teóricas lidam com a expressão e crises emocionais de seus clientes, essa é a sua especialidade, contudo lhes é vedado a utilização de psicofármacos, mesmo os que a cultura popular e medicina tradicional, há milhares de anos, utiliza. A exemplo do Alface, Camomila; Capim santo, Erva cidreira, Melissa; Hipérico (Erva de São João), Kawa-kawa; Morinda, Mulungu, Lavandula; Valeriana; Flor de laranja, Casca preciosa etc.

Se nós estendermos a concepção de plantas calmantes e sedativas à plantas com propriedades de intervenção no sistema nervoso autônomo, incluiremos ainda: Beladona (Atropa belladona); (Hyoscyamus niger); Duboísia(s) (a corticeira da qual se extrai butilbrometo de escopolamina); Datura stramonium e outras Daturas; Noz moscada (Myristica fragans) Lobelia inflata; Noz de areca (Areca catechu) e muitas outras. Algumas já foram incluídas na medicina homeopática e outras fazem parte de tradições populares mais ou menos conhecidas.

A própria medicina homeopática e florais de Bach são técnicas com ampla aplicação à distúrbios das emoções e comportamento das quais o psicólogo, por motivos diversos também está excluído.

Observe-se que já existem inúmeros psicólogos com especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado na área farmacológica no Brasil, e que se cogita a criação de uma nova profissão o "terapeuta especialista em dependência química" (além do agente de redução de danos), e que psicólogos também já atuam como especialistas nesse tratamento da drogadicção há muito tempo, mas, mesmo assim, não lhes é permitido prescrever sequer adesivos ou chicletes de nicotina (medicação de comércio livre) na “terapia de substituição” no tratamento do tabagismo.

Observe-se também que está em discussão no Brasil e em outros países a utilização medicinal da Cannabis sativa e ou sua liberação para uso recreativo (com alteração da legislação tolerante ao consumidor) que necessita ser devidamente acompanhado para que seus usuários não venham desenvolver o uso prejudicial ou dependência, do mesmo modo que os 10% da população de cerca de 70 % de usuários de álcool (etanol). Aliás, estes também necessitam de auxílio para controle de seu uso prejudicial ou dependência, o "alcoolismo". Além do que, dezenas de plantas psicoativas já são utilizadas pela população brasileira (e de outros países) em rituais indígenas e religiosos derivados ou inseridos na cultura tradicional.

Assim sendo como não ampliar o conhecimento e controle dessas práticas? Concordando com o recente artigo de Landeira-Fernandez e Cruz (publicado no Cérebro & Mente), é importante que o psicólogo tenha também uma boa formação na área biológica, principalmente em relação à farmacologia do sistema nervoso e que esse conhecimento também seja objeto da sua atuação clínica.

Ressalte-se também que dado a complexidade do conhecimento médico e riscos de utilização, pode ser estabelecido critérios de uso restrito por protocolos de indicação do neurologista e psiquiatra, além de limitar a prescrição do psicólogo e mesmo do médico clínico, a uma prescrição supervisionada pelos referidos especialistas, com restrição ao uso de grupos específicos de medicamentos (devidamente protocolados). Observe-se que tal forma de controle já acontece com algumas medições nos programas de atenção à doenças crônicas (hipertensão e diabete) e doenças transmissíveis na prática de saúde pública.

Assim sendo, talvez já passe da hora de se realizar uma revisão tanto na formação do médico (com mais de 60 especialidades) como dos paramédicos, com uma atenção especial ao profissionais de saúde que lidam com a saúde mental.

Ver também

Psychologists and Prescription Privileges: A Conversation (Part One)
http://www.psychologytoday.com/blog/the-new-psychiatry/201003/psychologists-and-prescription-privileges-conversation-part-one

Drug Wars: The Siren Call of Prescription Privilege
http://www.psychologytoday.com/blog/evil-deeds/201004/drug-wars-the-siren-call-prescription-privilege

Psychiatry benefits when psychologists prescribe drugs http://www.kevinmd.com/blog/2010/04/psychiatry-benefits-psychologists-prescribe-drugs.html

THE GREAT PSYCHOLOGY PRESCRIPTION DEBATE http://psychcentral.com/archives/n071498.htm Desativado em 2023 ver:
https://www.researchgate.net/publication/232448789_A_Debate_on_Prescription_Privileges_for_Psychologists

Psychologist's Prescribing: A Threat or a Promise?: Why Do Psychologists Want to Prescribe? http://www.medscape.com/viewarticle/723997_2

Silva, Alex Sandro T. Psicólogos prescrevem remédios desde a década de 1990. Brasil Medicina, 2010 https://psicologoclinico.com.br/farmacologia-e-psicofarmacologia-psicologos-americanos-prescrevem-remedios-desde-decada-de-1990/

2 comentários:

  1. Desde 1995, houve nada menos do que 170 projetos de lei nos Estados Unidos sendo concedido os privilégios da prescrição para psicólogos em apenas 3 - no Novo México, Louisiana e Guam. (ver Medscape: http://www.medscape.com/viewarticle/781519?nlid=29724_328).

    O mais forte argumento contra a extensão dessa prática clínica são as 10.000 horas de formação exigida aos psiquiatras em fisiologia, bioquímica, farmacologia, anatomia e experiência clínica ainda sem equivalência no curso de psicologia. Alguns cursos de psicologia incluem apenas psicofarmacologia (que seria mais consistente se precedida por bioquímica e farmacologia/ toxicologia geral ) a ampliação do conhecimento de neuroanatomia e neurofisiologia são também essenciais.

    No atual contexto tanto os cursos de psiquiatria como de psicologia deveria dar uma maior atenção à questão da dependência química e contextos psicossociais (antropológicos) do uso de substancias psicoativas.

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  2. Demanda de prescrição de psicofármacos por psicólogos (Rx P) por deficiência de oferta de serviços de psiquiatria no Brasil

    Uma grande força motriz da campanha dos psicólogos para obter os privilégios da prescrição (Rx P) nos EUA foi a necessidade do país de oferecer cuidados de saúde de melhor qualidade, disse Patrick H. DeLeon, PhD, JD, em um discurso presidencial na convenção anual da APA de 2003, em Toronto ilustrando isso, segundo ele, com dados da recente a vitória quanto ao poder de prescrição (Rx P) obtida no Estado do Novo México - um estado que ocupa a última posição no país em termos de quantidade e qualidade de cuidados de saúde onde seus cidadãos têm pouco ou nenhum acesso a psiquiatras.

    Sabe-se que a comparação entre a oferta de serviços em distintos modelos assistenciais é complexa mas avaliação dos parâmetros e da oferta de consultas de psiquiatria no Brasil podem nos dar um melhor idéia da demanda de psicólogos capazes de prescrição (Rx P) em nosso país.

    Uma das estimativas possíveis para oferta de serviços de psiquiatria é a disponibilidade de 1 psiquiatra para cada 50.000 habitantes em cidades com mais de 200.000 habitantes, o que representa em média para o Brasil de 192.379.287 habitantes (2011), uma quantidade de 3.848 psiquiatras. Valores inclusive ultrapassados dado ao registro de 7.032 psiquiatras (3,44 % do total de médicos) no Censo do Conselho Federal de Medicina de 2001 se não considerássemos as desigualdades regionais e concentração urbana dessa força de trabalho.

    Observe-se que tal demanda foi estimada para um modelo assistencial que preconizava simultâneamente 0,8 leitos de psiquiatria para cada 1.000 habitantes /ano ou 4 leitos para cada 5.000 habitantes / ano, o que requer outros dados sobre a forma de avaliação e a oferta de internamento hospitalar (cerca de 8 internações leito/ano com uma Média e Permanência de 36,5 dias).

    Por outro lado considerando a demanda de 2 a 3 consultas médicas por habitante/ ano sendo 5% de psiquiatria como estipulado por parâmetros estimados por Borges e Moura Filho (1980) temos para o Brasil de 2011 com 192.379.287 habitantes, respectivamente uma demanda de 19.237.929 e/ou 28.856.893 consultas de psiquiatria / ano ou ou 19.237.929 e 28.400.279 consultas de psiquiatria/ ano considerando a população de 2007 (189.335.191 habitantes) uma realidade bem inferior a oferta dos ambulatórios do SUS – Sistema Único de Saúde registrados entre 1999 e 2007 cuja média de Consultas em Psiquiatria (proced. SIA-SUS 0701230) foi 4.508.981 ou seja algo entre 5 e 6 vezes menos que a demanda estimada.

    Os parâmetros de oferta possíveis mas reduzidos, como proposto na Portaria 1101 GM de 12 de Julho 2002 onde se propôs 2 consultas/hab./ano, sendo 2,2% do total de consultas em Psiquiatria significa que em números totais de população atingida em 2001 (192.379.287 habitantes) a realização de 384.758.574 consultas médicas / ano sendo 8.464.688 consultas de psiquiatria ou seja valores ainda superiores a média de consultas realizadas como vimos. Observe-se também que um parâmetro de consulta 2 vezes por ano, praticamente é o limite da reposição de receitas de prescrição de psicofármacos sendo bastante inferior ao que pode ser estimado como demanda associada de psicoterapia a ser realizada por tais profissionais como devido.

    Referências

    Borges, Delane; Moura Filho, J. F. Parâmetros para elaboração de projetos Médicos Assistenciais. Rio de Janeiro, 1980

    CFM/AMB/CNRM; Pesquisa Demografia Médica no Brasil, 2011.
    http://www.cremesp.org.br/pdfs/demografia_2_dezembro.pdf

    Brasil, Ministério da Saúde. DATASUS. Produção Ambulatorial http://www2.datasus.gov.br/

    Brasil, Ministério da Saúde. Portaria 1101 GM 12 de Julho 2002 http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2002/Gm/GM-1101.htm

    Murray. Bridget. A brief history of RxP, Presidential speaker Patrick DeLeon recounted psychologists' progress in their quest for prescriptive authority. USA, Monitor Staff, October 2003, Vol 34, No. 9 http://www.apa.org/monitor/oct03/rxp.aspx

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