Apesar da proliferação de técnicas e modelos de atenção, a cura pela palavra e o aconselhamento psicológico ainda são as principais formas de intervenção psicoterapêutica. As “novas” formas de atendimento aos transtornos mentais, que tomam a palavra falada como instrumento terapêutico, inclusive aliada ao uso de psicofármacos, tiveram seu início nas proposições da psicanálise e/ou outras formas de psicoterapia baseadas na própria psicanálise e em teorias da aprendizagem (behaviorismo, reflexologia) no início de século XX. Contudo a diversidade de modelos teóricos que lhes fundamentam, é tal ordem que, alguns autores já consideram que um ramo da psicanálise não entende outros, e que não se designa mais psicologia e sim psicologias. (BOCK, 1999; MEZAN, 2014)
A parte das
controvérsias e exclusão das referências ao uso de plantas medicinais
psicoativas nos sistemas culturais, a maioria dos autores toma como marco do
nascimento da psicofarmacologia o início da utilização da clorpromazina para
tratamento farmacológico, relativamente eficaz, da esquizofrenia. A
clorpromazina, sintetizada em dezembro de 1951 foi considerada na época a droga
mais eficaz até então conhecida, para controle da excitação, agitação e
sintomas psicóticos similares a ilusões e alucinações (BAN, 2007).
Atualmente tem se
tentado um modelo terapêutico que integre as conquistas da neurociência e
psicofarmacologia, dado ao reconhecimento da eficácia de psicofármacos, e das conquistas da psicanálise/psicoterapia. Apesar do que ainda poderá ser desenvolvido a partir dos dados da clínica psicoterapêutica e pesquisa em neurociência, o campo analítico já possui numerosas
intersecções com a psiquiatria, e esta com a psicanálise. (BOGOCHVOL,1995 / 1997; FREY, et al 2004)
Quanto às doenças
ou transtornos mentais, segundo dados de prevalência internacionais adotados
pelo Ministério da Saúde, 3% da população apresentam transtornos mentais severos
e persistentes, necessitando de cuidados contínuos, e mais 9 - 12% (totalizando
cerca de 12 a
15% da população geral do País, em todas as faixas etárias) apresentam
transtornos mentais leves, e necessitam de cuidados eventuais (BRASIL,2010).
Uma rede de
serviços de saúde mental, conforme preconizado pela Reforma Psiquiátrica e
adotado pelo SUS em substituição do modelo assistencial centrado na
hospitalização, deve ser composta por diversas ações e serviços de saúde
mental: ações de saúde mental na Atenção Primária, (leia-se ações da USF –
Unidades de Saúde da Família); Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),
ambulatórios, residências terapêuticas, leitos de atenção integral em saúde
mental (em CAPS III e em hospital geral), Programa de Volta para Casa,
cooperativas de trabalho e geração de renda, centros de convivência e cultura,
entre outros.
Sabe-se também que
apesar de delineamento correto de modelo ideal, ainda possuímos uma oferta
insuficiente em quase todas as unidades de serviço acima referidas, inclusive
de profissionais de saúde especializados.
Uma das
estimativas possíveis para oferta de serviços de psiquiatria é a
disponibilidade de 1 psiquiatra para cada 50.000 habitantes em cidades com mais
de 200.000 habitantes, o que representa em média para o Brasil de 192.379.287
habitantes (2011), uma quantidade de 3.848 psiquiatras. Um número, em tese superado dado ao registro de 7.032 psiquiatras (3,44 % do total de
médicos) no Censo do Conselho Federal de Medicina de 2001, isto se não considerássemos
as desigualdades regionais, limitação da oferta em serviços privados e concentração urbana dessa força de trabalho.
Observe-se que tal
demanda foi estimada para um modelo assistencial que preconizava
simultaneamente 0,8 leitos de psiquiatria para cada 1.000 habitantes /ano ou 4
leitos para cada 5.000 habitantes / ano, o que requer outros dados sobre a
forma de avaliação e a oferta de internamento hospitalar (cerca de 8 internações
leito/ano com uma média de permanência de 36,5 dias).
Por outro lado considerando a demanda de 2 a 3 consultas médicas por habitante/ ano sendo 5% de psiquiatria como estipulado nos parâmetros propostos por Borges e Moura Filho (1980) temos para o Brasil de 2011 com 192.379.287 habitantes, respectivamente uma demanda de 19.237.929 e/ou 28.856.893 consultas de psiquiatria / ano, uma realidade bem inferior a oferta dos ambulatórios do SUS – Sistema Único de Saúde registrados entre 1999 e 2007 cuja média de consultas em psiquiatria (proced. SIA-SUS 0701230) foi 4.508.981 ou seja algo entre 5 e 6 vezes menos que a demanda estimada.
Os parâmetros de
oferta possíveis mas reduzidos, como proposto na Portaria 1101 GM de 12 de Julho 2002
onde se propôs 2 consultas/hab./ano, sendo 2,2% do total de consultas em
Psiquiatria significa que em números totais de população atingida em 2001
(192.379.287 habitantes) a realização de 384.758.574 consultas médicas/ ano
sendo 8.464.688 consultas de psiquiatria ou seja valores ainda superiores a
média de consultas realizadas como vimos. Observe-se também que um parâmetro de
consulta 2 vezes por ano, praticamente é o limite da reposição de receitas de
prescrição de psicofármacos sendo bastante inferior ao que pode ser estimado como
demanda associada de psicoterapia a ser realizada por tais profissionais como
devido.
Tomando como
exemplo a demanda de psicofármacos do Estado de Sta Catarina, de acordo com
o Relatório de Pesquisa sobre Psicofármacos no SUS da Secretaria de
Estado da Saúde. Florianópolis: SES/SC (2003) apesar deter havido um incremento
do número de atendimentos e a criação de vários CAPS, entre 1999 e hoje, não
houve alteração do volume de recursos federais voltados ao fornecimento de
medicamentos psiquiátricos à nova população atendida.
Utilizando-se uma
metodologia que coteja a estimativa de prevalência dos diversos tipos de
transtornos mentais e os serviços médicos ofertados pelo SUS, o referido estudo
realizado na população catarinense calculou o número de consultas dadas nos
serviços públicos ambulatoriais projetando sobre eles se as percentagens de
prevalência de cada doença psiquiátrica, em proporções epidemiologicamente
válidas, calculando também as doses médias indicadas acada paciente, por um
ano.
Estimou-se as
quantidades de remédios, de uso na área da saúde mental das diversas classes
terapêuticas, de modo que atenda as necessidades reais da população catarinense
(5.607.160 habitantes em 2003), evitando a falta destes tipos de remédios nas
farmácias públicas. Em relação aos antidepressivos e ansiolíticos, categorias
de potencial substituição por prescrição adequada de planta medicinal associada
à psicoterapia temos:
1 - antidepressivos
ou timolépticos, representados pela imipramina 25 mg, comprimidos, pela
clomipramina 25 mg, e pela amitriptilina 25 mg, - três milhões de comprimidos
por ano.
2 - fluoxetina -
um milhão de comprimidos de 20 mg por ano (caso utilizada modificaria a demanda
estimada no item 1 .
3 - carbonato de
lítio, em comprimidos de 300 mg - 1.400.000 comprimidos por ano.
4 - diazepan 10 mg
- 2 milhões de comprimidos por ano/ clordiazepóxido 10
mg - 2 milhões de comprimidos.
A referida
estimativa de utilização de psicofármacos para população de Sta. Catarina
baseou-se em estudos epidemiológicos que encontrou uma prevalência global de
23,72% de transtornos mentais na população, incluindo entre estes, o uso de
tabaco.
Observe-se que este mesmo estudo que delineia a demanda constata os reduzidos recursos para seu atendimento, a exemplo do consumo de amitriptilina que dispôs em relatórios da instituição de uma aquisição de 1.560.000 comprimidos em e 2002 enquanto a demanda constatada, por volume de pedidos encaminhados ao Serviço de Saúde Mental e à Diretoria de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Estado da Saúde, foi de cerca de 4 milhões de comprimidos.
Estudos transversais de consumo de psicofármacos através de questionários nos
CAPS tipos I e II na Região Sul do Brasil. em 2006, constatou a realidade da
carência de distribuição e fornecimento de psicofármacos na rede do SUS, como
fator de prejuízo da terapia medicamentosa desse serviço especializado de saúde
mental, diante das condições socioeconômicas dos usuários. (Kantorski et al
2011)
Observe-se também que tal estimativa de consumo de psicofármacos fundamenta-se em um modelo centrado na oferta de tratamento psicofarmacológico que tem sido amplamente criticado. Entre outras razões inclusive remete-se à escassez de profissionais de psiquiatria no país como um todo e a prescrição “inadequada” de psicofármacos por médicos clínicos não capacitados para tal, o que aparente justifica o elevado consumo encontrados em diversas populações.
Observe-se também que tal estimativa de consumo de psicofármacos fundamenta-se em um modelo centrado na oferta de tratamento psicofarmacológico que tem sido amplamente criticado. Entre outras razões inclusive remete-se à escassez de profissionais de psiquiatria no país como um todo e a prescrição “inadequada” de psicofármacos por médicos clínicos não capacitados para tal, o que aparente justifica o elevado consumo encontrados em diversas populações.
Pelo apresentado
constata-se ser evidente a necessidade de um modelo que contemple as demandas
de serviços indicados pela elevada prevalência de distúrbios mentais e que
simultaneamente reduza a oferta de medicamentos psiquiátricos.
Diversas opções
tem sido cogitadas:
Entre as
proposições de criar um modelo alternativo a tal demanda e oferta de serviço de
saúde mental que utiliza psicofármacos está a educação de profissionais e da
população na utilização de fitoterápicos e práticas complementares,
considerando-se especialmente o potencial de uso tradicional na formação
multi-étnica do Brasil. Observe-se que diversas culturas africanas
(sobreviventes aqui como religiões) e ameríndias utilizam substancias
psicoativas em seus sistemas etnomédicos.
Outra estratégia pode ser uma oferta mais qualificada, seja apenas ou psiquiatras (melhor capacitados para psicoterapia) e/ou seja por médicos clínicos e psicólogos capacitados em psicofarmacologia. Alguns estados dos EUA já optaram por uma oferta mais qualificada com a prescrição de psicofármacos por psicólogos (Rx P), a saber: Hawai (1985), Novo México (2002), Louisiana (2004), e New Jersey e Illinois em 2014 - ver mapa da situação em 2002 ilustrando a evolução da Rx P em tendência crescente. Segundo Patrick H. De Leon, PhD, JD, em um discurso presidencial na convenção anual da APA - American Psychological Association, de 2003, ao apresentar a história da Rx P ressalta que uma grande força motriz da campanha dos psicólogos para obter os privilégios da prescrição (Rx P) nos EUA foi a necessidade do país de oferecer cuidados de saúde de melhor qualidade por demanda da oferta da clínica psiquiátrica. O poder de prescrição (Rx P) obtida no Estado do Novo México é um exemplo, pois este estado ocupa a última posição no país em termos de quantidade e qualidade de cuidados de saúde onde seus cidadãos inclusive têm pouco ou nenhum acesso a psiquiatras. (MURRAY 2003) . A esta possibilidade de determinação da capacitação /formação de psicólogos em psicofarmacologia para prescrição de psicofármacos (Rx P), deve-se considerar também o papel que os psicólogos já desempenham na produção teórica e assistência aos usuários de drogas e dependentes químicos nos serviços de reabilitação dos EUA, Brasil e outras regiões do mundo.
Outra estratégia pode ser uma oferta mais qualificada, seja apenas ou psiquiatras (melhor capacitados para psicoterapia) e/ou seja por médicos clínicos e psicólogos capacitados em psicofarmacologia. Alguns estados dos EUA já optaram por uma oferta mais qualificada com a prescrição de psicofármacos por psicólogos (Rx P), a saber: Hawai (1985), Novo México (2002), Louisiana (2004), e New Jersey e Illinois em 2014 - ver mapa da situação em 2002 ilustrando a evolução da Rx P em tendência crescente. Segundo Patrick H. De Leon, PhD, JD, em um discurso presidencial na convenção anual da APA - American Psychological Association, de 2003, ao apresentar a história da Rx P ressalta que uma grande força motriz da campanha dos psicólogos para obter os privilégios da prescrição (Rx P) nos EUA foi a necessidade do país de oferecer cuidados de saúde de melhor qualidade por demanda da oferta da clínica psiquiátrica. O poder de prescrição (Rx P) obtida no Estado do Novo México é um exemplo, pois este estado ocupa a última posição no país em termos de quantidade e qualidade de cuidados de saúde onde seus cidadãos inclusive têm pouco ou nenhum acesso a psiquiatras. (MURRAY 2003) . A esta possibilidade de determinação da capacitação /formação de psicólogos em psicofarmacologia para prescrição de psicofármacos (Rx P), deve-se considerar também o papel que os psicólogos já desempenham na produção teórica e assistência aos usuários de drogas e dependentes químicos nos serviços de reabilitação dos EUA, Brasil e outras regiões do mundo.
Ainda como
estratégia de redução de uma demanda excessiva de medicação psiquiátrica está a
proposição da “Gestão Autônoma de Medicação” – GAM ou criação de um “espaço”
onde profissionais de saúde e usuários possam melhor avaliar o eficácia
terapêutica de medicação a partir da reflexão de efeito individual
compartilhada. (Onocko, et AL, 2014
GAM ) Estratégia essa, para a qual, a alternativa de
desenvolvimento de utilização fitoterápicos só vem a reforçar a idéia de um
menor uso de psicofármacos industrializados.
Não há dúvida que
haveremos de encontrar um modelo próprio com implicações tanto em reformas do
ensino médico e dos cursos de psicologia, como da política de saúde mental do
país. A grande questão é até quando suportaremos as consequências, as demandas
de patologias evidenciadas nas pesquisas epidemiológicas de saúde mental e
elevação da criminalidade por tráfico e consumo de drogas, em uma população
carente e desassistida como a nossa.
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http://egp.dreamhosters.com/EGP/104-sobre_a_psicofarmacologia.shtml Acesso em Julho. 2015
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